sexta-feira, maio 11, 2007

a utopia de um mundo de não fumadores

As utopias podem não estar inscritas no código genético da humanidade, mas estão-no certamente no seu código cultural ou civilizacional. De Platão ao Comunismo, passando por T. Morus ou T. Campanela, sempre o homem sonhou com a concretização de um ideal de sociedade isento de das mais variadas imperfeições. Mas quando esse ideal desce ao terreno, muitos são os perigos e mais ainda as injustiças. À letra, utopia significa "não lugar". É pois desse nenhures espacial que se vão construindo espaços onde, por vezes, os totalitarismos do fanatismo e da intolerância se instalam e as liberdades definham.
Uma das utopias do pós guerra tem que ver com o sonho de construir uma sociedade higiénica e sanitariamente imaculada. Os recursos da ciência e os progressos da medicina têm dado asas ao sonho da sua concretização. É nesta lógica que o corpo e a saúde vão ganhando uma primazia inimaginável, relegando tudo o resto para patamares de secundária importância. É a mesma lógica que faz dos velhos objectos abjectos ou descartáveis (pelo menos os que não se sujeitam à terapia da higienização corporal), imolando-os no altar de um deus asséptico. É enfim no mesmo rumo ideológico que, por todo o mundo ocidental, alinham os profectas limpeza antitabágica.
Nesse sentido escreve João Pereira Coutinho este belíssimo texto:
"A luta contra o tabaco nunca foi uma luta pela saúde dos 'passivos' (o que seria compreensível). Foi simplesmente uma luta contra a liberdade individual em nome de uma utopis sanitária: os fanáticos não desejam apenas que o fumo não os perturbe; desejam que a mera existência de um fumador também não. É a intolerãncia levada ao extremo e servida numa retórica simpática e humanista. E agora com cobertura legal.
A prazo, essa luta não irá ficar apenas pelo fumo; pessoas gordas; pessoas que desenvolvem actividades sexuais promíscuas; pessoas inestéticas; pessoas que não se adaptam à cartilha higiénica das patrulhas serão enxotadas, como ratazanas da espécie, de qualquer presença visível numa sociedade crescentemente dominada pelo culto da saúde. seremos como as tribos primitivas, elevendo o corpo a um novo deus. Caprichosos e cruéis."
Entretanto vou fumar mais um cigarro, antes que as patrulhas do Morte aos feios e porcos fumadores não espreitam.

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