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quinta-feira, maio 28, 2009

desabafos de ocasião

Afirmou Descartes, o filósofo francês a quem a modernidade deve os seus fundamentos e referenciais lógicos, ser o bom senso a coisa mais bem distribuída do mundo. Estava enganado. Refuta-o um sem número de acontecimentos que marcavam a vida pública portuguesa nos últimos meses. O espaço público, por excelência um espaço propício à proliferação de hábitos democráticos e de um senso comum esclarecido, está cada vez mais ocupado pelo oportunismo de vistas curtas e pelo obscurantismo das ideias canhestras, que disfarçam mal os interesses privados e corporativos que nele se instalam.
Em tempos de vacas magras e de défice ideológico, aconselhava o bom senso que os gastos com as campanhas eleitorais fossem comedidos, que a ostentação se escondesse de vergonha debaixo do manto da frugalidade, que os discursos manhosos, o insulto ágil e a retórica da sedução dessem lugar à palavra substantiva e ao argumento esclarecedor. Para o bem de uma cidadania democrática autêntica. Mas nada disto se verifica. Pelo contrário, o que prova à saciedade que o bom senso não abunda. Este cantinho à beira-mar plantado é um terreno fértil para as ervas daninhas que, como infestantes que são, vão acabar por sufocar a seiva da cultura democrática que nos alimenta.

domingo, maio 03, 2009

Razões para uma política participativa

Este é um ano decisivo, dizia-me um amigo. Um ano de decisões e, por conseguinte, de oportunidades. Sobretudo oportunidades de participar na mudança que, espero, se avizinha. Sejamos, pois, protagonistas da mudança. Protagonistas menores, mas ainda assim protagonistas. Façamos de conta que este é o patamar originário de um futuro melhor a construir, ou, como dizia o Sérgio Godinho: "o primeiro dia do resto da tua vida".
Vivemos tempos de crise, não só económica. Porque somos modernos, não poderia ser de outro modo, uma vez que a crise é o rosto visível da modernidade que nos cabe cumprir. Mas não se pode falar de crise sem falar de crítica. São como dois bois aparelhados para levar para diante a mesma demanda. Só uma postura crítica fará da crise o combustível da mudança desejada. Em termos cidadania, não nos resta outra alternativa válida que não seja a de nos assumirmos como "animais políticos". Não se trata de apenas de relembrar o velho Aristóteles. Trata-se, antes do mais, de não enjeitarmos a oportunidade de cumprirmos a humanidade plena que nos percorre a existência. Sejamos por isso mesmo políticos, não nos esquecendo que a política é, acima de tudo, a arte de inventar o futuro - o nosso e o dos nossos filhos. Reneguemos pois o argumento da inevitabilidade, tantas vezes usado para nos passar um atestado de menoridade intelectual e política. Não cometamos o erro de entregar nas mãos dos políticos profissionais a tarefa de tecer as malhas de um futuro comum que mais tarde vamos lamentar. Não nos alheemos ainda mais do mundo que é também público.
Se existe alguma nota fundamental que componha o projecto da modernidade, ela não pode ser outra senão a revolução democrática. A democracia, ainda que se lance as suas raízes em solo grego, tem na modernidade a atmosfera propícia ao seu desenvolvimento. No entanto, também hoje o programa democrático - que não é outro que não seja o da realização dos ideais da liberdade e da igualdade - está em crise. É imperioso que procedamos a uma crítica da razão democrática. Esta crítica torna possível duas coisas: evidenciar as condições de possibilidade do exercício democrático, por um lado, e radicalizar a democracia, por outro. O que se pretende, com isso, não é contribuir para a descredibilização da democracia, mas tão somente cuidar dela como o mais precioso dos bens que, para nós portugueses, o 25 de Abril conquistou. Tal como uma planta, ou a alimentamos ou morre.
A propósito da reflexão política, aponto duas sugestões de leitura:
1) "A incompetência democrática", Philippe Breton, Edições Loyola, 2008 (o original é de 2006).
2) "O regresso do político", Chantal Mouffe, Gradiva, 1996 (o original é de 1993).