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domingo, maio 03, 2009

Razões para uma política participativa

Este é um ano decisivo, dizia-me um amigo. Um ano de decisões e, por conseguinte, de oportunidades. Sobretudo oportunidades de participar na mudança que, espero, se avizinha. Sejamos, pois, protagonistas da mudança. Protagonistas menores, mas ainda assim protagonistas. Façamos de conta que este é o patamar originário de um futuro melhor a construir, ou, como dizia o Sérgio Godinho: "o primeiro dia do resto da tua vida".
Vivemos tempos de crise, não só económica. Porque somos modernos, não poderia ser de outro modo, uma vez que a crise é o rosto visível da modernidade que nos cabe cumprir. Mas não se pode falar de crise sem falar de crítica. São como dois bois aparelhados para levar para diante a mesma demanda. Só uma postura crítica fará da crise o combustível da mudança desejada. Em termos cidadania, não nos resta outra alternativa válida que não seja a de nos assumirmos como "animais políticos". Não se trata de apenas de relembrar o velho Aristóteles. Trata-se, antes do mais, de não enjeitarmos a oportunidade de cumprirmos a humanidade plena que nos percorre a existência. Sejamos por isso mesmo políticos, não nos esquecendo que a política é, acima de tudo, a arte de inventar o futuro - o nosso e o dos nossos filhos. Reneguemos pois o argumento da inevitabilidade, tantas vezes usado para nos passar um atestado de menoridade intelectual e política. Não cometamos o erro de entregar nas mãos dos políticos profissionais a tarefa de tecer as malhas de um futuro comum que mais tarde vamos lamentar. Não nos alheemos ainda mais do mundo que é também público.
Se existe alguma nota fundamental que componha o projecto da modernidade, ela não pode ser outra senão a revolução democrática. A democracia, ainda que se lance as suas raízes em solo grego, tem na modernidade a atmosfera propícia ao seu desenvolvimento. No entanto, também hoje o programa democrático - que não é outro que não seja o da realização dos ideais da liberdade e da igualdade - está em crise. É imperioso que procedamos a uma crítica da razão democrática. Esta crítica torna possível duas coisas: evidenciar as condições de possibilidade do exercício democrático, por um lado, e radicalizar a democracia, por outro. O que se pretende, com isso, não é contribuir para a descredibilização da democracia, mas tão somente cuidar dela como o mais precioso dos bens que, para nós portugueses, o 25 de Abril conquistou. Tal como uma planta, ou a alimentamos ou morre.
A propósito da reflexão política, aponto duas sugestões de leitura:
1) "A incompetência democrática", Philippe Breton, Edições Loyola, 2008 (o original é de 2006).
2) "O regresso do político", Chantal Mouffe, Gradiva, 1996 (o original é de 1993).

terça-feira, abril 28, 2009

o alargamento da escolaridade obrigatória ou crise na educação?

O alargamento da escolaridade obrigatória para os 12 anos é, em tese, sem dúvida louvável. Por isso, a lei aprovada pelo governo, sinal de modernidade, só pode merecer o aplauso generalizado de todos nós. Ninguém o contestará, a não ser que esteja de má fé ou seja doido varrido. No entanto, o assunto deve ser objecto de reflexão cuidada e minuciosa, para que se não corra o risco de, por precipitação, se falhar a concretização do que parece à partida cumulado de virtudes. É nesse sentido que as objecções à medida governativa devem ser ponderadas, pesados os argumentos contrários, escutadas as opiniões que teimam em seguir a contra-corrente.
Alguns opositores da ideia acusam o governo de lançar mão, uma vez mais, de uma medida eleitoralista. Não se dizem contra os alunos serem obrigados a frequentar a escola uma dúzia de anos. Apenas afirmam que a medida é oportunista – sobretudo porque acompanhada do anúncio de subsídios para as famílias mais carenciadas –, visando somente arrecadar mais uns votos para alimentar a esperança da maioria absoluta. Uma pergunta impõe-se: por que razão não foi implementada em tempo oportuno (ao tempo de implementação das badaladas reformas educativas), quando se tratava de um imperativo de ordem moral e com implicações no futuro desenvolvimento económico do país? Responderão os apoiantes da medida, recorrendo ao senso comum: “mais vale tarde, que nunca”.
Outra objecção prende-se com a ideia de que a medida é cosmética e não terá outro propósito que não seja o de trabalhar para as estatísticas. Este argumento pretende evidenciar algo que tem sido prática corrente deste governo em matéria educativa, designadamente a sua preocupação excessiva em apresentar números que verifiquem o sucesso da sua política, em detrimento de preocupações com a real melhoria das aprendizagens e competências dos alunos. Apetece dizer, a propósito, o seguinte: “quem não quer ser lobo, não lhe veste a pele”.
Há quem aduza outras razões: que a medida é, no fundo, improfícua e poucas alterações produzirá no tecido escolar português, quanto muito terá reflexos negativos ao transformar as escolas em depósitos de adolescentes desmotivados e em recintos de violência potencialmente explosiva; que contraria o direito de cada um escolher aquilo que considera melhor para si ou para o seu educando; que vai ao arrepio da maioria das práticas legais europeias, inclusive de países com índices de prestação escolar substancialmente melhores que as nossas; que não vai ao cerne dos problemas centrais com que se depara a educação; que vai contribuir para uma escola mais desigual, provocando uma procura acrescida do ensino privado, certamente mais imune aos inconvenientes da massificação do ensino. E por aí fora…
Um último argumento, porventura o mais consistente e sério, tem que ver com algo que já se sabe de há muito tempo. A crise na educação vai agudizar-se e acentuar os seus contornos, transformando-se num “num problema político de primeira grandeza”, como afirma Hannah Arendt em A crise na educação. A história da escola moderna não nos tem ensinado outra coisa. A democratização do ensino traduz-se necessariamente em massificação, a qual, inevitavelmente, acarreta um nivelamento por baixo dos seus padrões de exigência. É um fenómeno da modernidade que começou na América dos anos cinquenta, estendendo-se rapidamente a todos os países que a seguiram como modelo de nação, que elegeu o conceito de igualdade como regulação de costumes e de modus vivendi. Dos americanos não resultou apenas a disseminação da coca-cola e dos McDonald’s, dos heróis da banda desenhada e das estrelas de Hollywood, resultou uma crise, a da educação que, como o Toyota, veio para ficar. O alargamento da escolaridade obrigatória significa, por mais louvável que seja, o alargamento da crise na educação. Nisso o governo dá mostras de modernidade.