quarta-feira, maio 16, 2007

declarações suspeitas da Ministra

Não me lembro se foi Hegel quem afirmou que a leitura do jornal correspondia à oração diária do homem moderno. Se não foi ele, também não lhe fica mal o dito, representante como de facto foi, em termos filosóficos, do apogeu da modernidade.
Para lá de todos os pós-modernismos que em matéria de pensamento em geral o século XX viu nascer, numa tentativa esquizofrénica de decifrar o indecifrável – a vida pujante que se projecta irrevogavelmente para diante –, sinto-me ainda mentalmente enquadrado no paradigma ideológico da modernidade, apesar das muitas reservas que possa ter em relação ao seu programa iluminista original, nomeadamente no que diz respeito à sua crença na razão como instrumento privilegiado de libertação das tutelas várias que nos encerram numa menoridade cobarde. Encaro o sapere aude! kantiano como a ideia reguladora que pretendeu ser, mas que, cada vez mais nos tempos que correm, enfrenta sérias dificuldades em se constituir como o farol de esperança que deveria ser.
Ainda assim, como dizia, me sinto moderno. Talvez por isso tenha por hábito ler jornais e procurar neles a informação necessária para actualizar (outra crença iluminista) as opiniões que vou construindo, a propósito disto e daquilo.
O estado actual da educação em Portugal preocupa-me, por diversos motivos. Não só porque faço dela o meu ganha-pão (amargo, diga-se de passagem), mas sobretudo porque tenho a certeza que o que nela se joga é decisivo – o ganha-pão futuro das gerações mais novas que andam na escola a aprender a ser alguém e a viabilidade futura do meu país em termos de autonomia. Digo e repito: em termos de autonomia. E esclareço – essa autonomia que faria de nós competitivos à escala europeia e mundial, e cuja falta fará dos portugueses os pedintes envergonhados de uma Europa apenas sonhada.
Ao folhear o Público dei de caras com um conjunto de notícias que à educação dizem respeito. E o que dizem? Que o Ministério se prepara para alterar, no ensino secundário, “cargas horárias de várias disciplinas” e “criar um novo curso de Línguas e Humanidades”, propondo “o reforço do tempo dedicado a aulas práticas” em detrimento da disciplina de “Tecnologias de Informação e Comunicação do 10º ano”. E há mais. Três anos depois de terem entrado em vigor os actuais programas, “o Ministério da Educação já anunciou estar em curso a revisão dos currículos do Português, nos ensinos básico e secundário”. Basta? Não, senhor. Não basta. Reformas e contra-reformas não são o suficiente. Há que responsabilizar. Quem? Quem havia de ser? Os professores, pois claro. Malandros! Irresponsáveis! Palavras de Sua Sumidade Maria de Lurdes Rodrigues, referindo-se aos exames nacionais do 9º ano que decorrerão muito em breve: “Pela primeira vez, o país associará os resultados não apenas à performance dos alunos, mas também ao trabalho das escolas e dos professores, para o melhor e para o pior”. E acrescenta o jornalista: a Ministra “sustentou que os resultados que vierem a ser obtidos este ano serão um ‘teste ao trabalho das escolas’”. Por que razão tudo me cheira a esturro? Não é certamente pura ilusão olfactiva. Os exames estão à porta. A senhora ministra, com todas as revoluções operadas no sistema de ensino (aulas de substituição e o diabo a sete) comprometeu-se com o país e sabe que este mesmo não perdoa – vai exigir-lhe resultados. Ela que sempre afirmou ter uma política de educação, vai ter de mostrar que tal política é consistente e consequente com os princípios enunciados. Ou não estará antecipadamente a arranjar bodes expiatórios para algo que já se adivinhava?
Pois bem, senhora Maria de Lurdes Rodrigues, o país associará os resultados não apenas às competências dos alunos, das escolas e dos professores, mas igualmente à competência do Ministério a que tutela. Estaremos cá para ver e julgar. A ver vamos