sábado, maio 26, 2007

três filmes, um texto e algumas preocupações de momento

Irreverência e inquietação são dois conceitos que costumamos associar à adolescência. Quem não se lembra de, nos anos oitenta, ter assistido à exibição do filme Rumble Fish (Juventude Inquieta), realizado por Francis Ford Copolla e que conta no seu elenco com nomes como Mickey Rourke, Matt Dillon e Nicolas Cage? Ou então de ver The Outsiders (Os Marginais) do mesmo realizador? Quem não recorda o clássico de Nicholas Ray (Fúria de Viver) protagonizado pelos inesquecíveis James Dean e Natalie Wood? Cada um destes filmes, a seu modo – independentemente da respectiva qualidade estética – retrata a juventude naquilo que melhor a parece caracterizar: essa mesma fúria de viver num confronto aberto com as instituições (pais, escola, etc.) e os preconceitos que as consubstanciam. As atitudes de desafio à moralidade instituída, o assumir uma certa dose de marginalidade face aos padrões e normas socialmente aceitáveis podem ser encaradas como formas saudáveis de crescimento, precisamente porque pressupõem um tipo de aprendizagem do mundo que se não limita a consentir o passado. Pelo contrário, assimila-o na justa medida em que o faz dele objecto de uma crise e de uma crítica renovadoras. Ser irreverente, acordar pela manhã com o sentimento de insatisfação a transbordar da alma, viver na inquietação de um futuro por fazer – aos quinze ou dezoito anos – é a marca d’água de uma etapa da nossa vida que recordamos com apreço e alguma nostalgia.
Será que podemos na actualidade atribuir à juventude estes mesmos predicados? Nalguns casos, sem dúvida. Mas na generalidade, tenho as minhas dúvidas. Sem ter à mão estudos de opinião e dados estatísticos sérios, deixo-me guiar pelo impressionismo das minhas vivências, grande parte das quais resultam do contacto quotidiano que venho mantendo com os jovens das nossas escolas. Para além disso, guio-me também por um texto: A educação enquanto problema do nosso tempo, de Eric Weil.
Mais do que irreverência e inquietação, a adolescência parece viver hoje em dia sob o signo de uma insatisfação doentia, aquele tipo de insatisfação que se tece com as malhas do tédio, do fastio e do aborrecimento, sentimentos que frequentemente conduzem à violência gratuita, quando uma educação descuidada e permissiva tornam o fenómeno quase inevitável.
No mundo ocidental, séculos de progresso material fizeram-nos acreditar que o acesso generalizado à instrução consistia por si só um factor decisivo, no que à formação do ser humano diz respeito. O homem e a mulher instruídos eram sinónimo não apenas de maior riqueza, de mais tempo livre, de bem-estar, mas igualmente de maior liberdade e educação. Saciado o estômago, dispondo do ócio para o exercício da liberdade, restaria apenas a satisfação de poder dar significado, valor e sentido à sua vida. Todavia, não se contou com um imponderável: o surgimento do tédio e da consequente violência gratuita como fenómeno civilizacional.
A propósito dele diz-nos Eric Weil o seguinte: “Mas, se uma civilização inteira for atingida pelo tédio, este pode tornar-se uma coisa efectivamente séria até porque, nesse caso, não existiria ninguém para dizer aos outros porque razão se aborreciam e o que seria necessário fazer para remediar a situação. Se, obtido tudo o que razoavelmente se pode desejar, as pessoas estão ainda insatisfeitas e se todo o mundo partilha do mesmo sentimento de insatisfação, pode então desencadear-se o recurso a coisas não razoáveis. Estamos todos certamente de acordo num ponto comum, a saber: que a violência é o único verdadeiro passatempo. (…) Mas a violência desinteressada, aquela que é, ela mesma, o seu próprio fim, quer seja dirigida contra os outros quer contra si mesmo, está a espalhar-se cada vez mais. A percentagem não é a mesma em todo o lado e, aqui e além, as tradições servem de dique. Mas servir de dique é uma ocupação fastidiosa, particularmente quando os diques estão a desaparecer e os construtores de diques são cada vez mais raros.”
Será possível inverter esta tendência civilizacional? A resposta, por afirmativa que seja, não parece tarefa fácil, sobretudo porque o que se exige é um investimento sério e profundo na educação para o exercício responsável da liberdade, pois “uma vez ganha a batalha da instrução, o problema de uma educação para a liberdade adquire estatuto de primeiro plano”. “Todas as comunidades que põem a eficácia acima de tudo e consideram a liberdade como um brinquedo acabam por ficar submetidas a um mestre. (…) O perigo futuro poderá traduzir-se numa ameaça muito maior: o perigo de uma humanidade liberta da necessidade e do constrangimento exterior mas impreparada para dar conteúdo à sua liberdade. Neste sentido, não seria exagerado afirmar que não existe nenhum problema mais importante, mais urgente, que o da educação.”

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