quarta-feira, maio 09, 2007

Administar, administrar a quanto obrigas!

Desde que fui eleito Administrador do prédio cá do sítio, comecei a ter mais respeitinho por todas as pessoas que exercem cargos administrativos ou outros da mesma iguala, incluindo o de Primeiro Ministro. É que o cargo confere um estatuto que nem o fato e a gravata únicos que tenho - e que hão-de servir para os restantes casamentos, baptizados e funerais (incluindo o próprio) a que irei -, por não serem Armani ou coisa parecida, estarão ao nível do melhor dos desempenhos que possa vir a ter.
Por mais forçada que pareça a comparação, ser Admistrador de um prédio com catorze pisos e vinte e quatro condóminos, pelo menos na Lisboa da actualidade, não é assim tão diferente de estar à frente de um país como o nosso. Bem sei que as proporções e as escalas são infinitamente diversas: 10 milhões não são 70 ou 80. Mas no fundo, no fundo, vai parar tudo ao mesmo. O sistema é democrático, ainda que não representativo mas directo (o que torna a tarefa um tudo nada mais complicada). O ponto de partida é um sufrágio universal, depois vem o cerimonial da tomada de posse, a passagem de testemunho, a recolha de dossiers, das chaves e dos minúsculos segredos impensáveis; enfim, um sem número de actos que dignificam o mais pelintra dos cidadãos. Ainda a procissão não saiu da igreja para dar entrada triunfal no adro, e já dois ou três (se tivermos sorte) dos concidadãos - justamente os que respiram de alívio por não lhes ter saído a rifa do cargo prestigioso - segredam dicas e conselhos ou, o que é pior, nos dão uma palmadinha nas costas e dizem: "coragem, isso não é assim tão mau. É só passar uns recibozitos ao fim do mês". Bardamerda, é o que apetece dizer. Mas uma pessoa cala o impropério, pois o papel tem de estar de acordo com o estatuto. De seguida, já no remanso do lar, bebendo um copázio de whisky para serenar a exaltação do momento vitorioso, há que estudar os dossiers. A concentração agora é tudo. Os dotes matemáticos saltam como as hormonas juvenis em dias de primavera. A aptidão para os números impõe-se. Verificam-se colunas de algarismos e a soma transforma-se em subtracção. Se houve défice na Administração anterior (o que não é inabitual) é uma carga de trabalhos. Mesmo não o havendo, as contas têm de se conjugar como verbos regulares. As actas têm de ser lidas, as facturas conferidas. Os papeis e a burocracia não dão trégua.
A tarefa torna-se mais penosa quando a Administração é conjunta e a parceria é infeliz. O outro (o inferno é sempre o outro) é um português típico: palrador, confiante, um sabichão das dúzias. Tudo são facilidades. Não faz é questão de lidar com papeis. No entanto, ao fim de mês e meio faltou a sete das dez reuniões agendadas e nem deu cavaco nem justificação. Não foi ao banco, não contactou com a empresa de limpeza, não falou com os tipos que fazem a manutenção e a reparação dos elevadores, não reparou que havia lâmpadas fundidas, portas para afinar, não substituiu as cassetes do serviço de vigilância, não deu conta do alarme que tocou duas ou três vezes a desoras, não está para se chatear. Mas é fanfarrão: ele faz e acontece, desfaz Fulano, desanca Sicrano, põe a chata do 9º A na ordem. Neste pormenor, ser Primeiro Ministro leva vantagem. Sempre se têm os ministros e os secretários disto e daquilo para ajudar. Manda quem pode, obedece quem deve.
Neste calvário sem fim, o ano parece que não avança, os meses não passam, as semanas escorrem com a lentidão de um filme passado ao retardador. E são os orçamentos que se deviam pedir e não aparecem, os relatórios redigidos numa linguagem que se não entende, as quotizações em atraso, o dinheiro que numa hora parece muito e noutra se sume num escoadouro indiscernível. Depois é o condómino x que tem uma infiltração na arrecadação e nos acorda às nove da manhã a julgar que está a falar com os Bombeiros Sapadores da Esquina; a senhora do 7º qualquer coisa que acordou com uma ideia genial para gastar os parcos recursos geridos por amadores; o sr. arquitecto que acha que a empena do prédio vai dar problemas não tarda; a doutora fina que considera que. E a tudo isto se vai dizendo que sim senhor, logo se vê, devemos pôr o assunto à consideração da assembleia, persuadir com diplomacia, na esperança de que tudo acabe rapidinho antes que me dê uma coisa má.
Quando os meses se sucederem e, depois de férias, começar a cheirar a Natal, é tempo de preparar as contas finais, o orçamento do ano que vem, os dossiers da gestão corrente e sonhar com a assembleia apoteótica da cessação de mandato. Mas ainda vem tão longe...
E o que ganho com isto? Estatuto, sem dúvida. E uma inolvidável experiência de gestão pública (no sentido próprio do termo) que me há-de trazer uma mais valia reconhecida pelas principais empresas do mercado nacional. Um mandato disto é mais que um canudo em qualquer engenharia.
Por tudo isto (o referido e o omitido), a minha proposta vai no sentido de impor uma condição prévia ao exercício de Primeiro Ministro - ter pelo menos a experiência de um ano de mandato como Admistrador de um condomínio no mínimo com nove pisos (sempre gostei do número sete), dois dos quais de garagem, dois elevadores e quinze condóminos (correspondendo a cinquenta pessoas a habitar permanentemente), uma bomba de sucção de águas e um gerador. E um aumento de vencimento na ordem dos 50%. Como eu o compreendo, Sr. Primeiro Ministro!

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