quarta-feira, novembro 19, 2008

Já viram alguma coruja tentar ironizar?

Já viram alguma coruja tentar ironizar? Foi o que aconteceu ontem com a líder do maior partido da oposição, o PSD. A tentativa de abrilhantar, recorrendo a um efeito estilístico de alto quilate, o seu discurso traduziu-se num disparate de todo o tamanho. A mensagem saiu-lhe trôpega, incoerente e sobretudo dúbia. É certo que Manuela Ferreira Leite abomina a retórica. Tem-no dito e repetido inúmeras vezes, fazendo disso mesmo um dos pontos centrais da sua oposição ao governo, a quem acusa de estar mais preocupado com a propaganda política do que propriamente com política séria. Foi a sua imagem de seriedade, aliás, que lhe permitiu ganhar a liderança do seu partido, colmatando assim um défice de credibilidade que, desde os tempos de Santana Lopes (exceptuando o período de liderança de Marques Mendes) vinha corroendo o partido por dentro. Mas isso somente não chega para atrair a si a confiança dos putativos eleitores, sobretudo daqueles que se situam ao centro e, ainda que indecisos, são estruturalmente conservadores. É preciso mais, muito mais. Acima de tudo, a mensagem tem de passar até eles, e a retórica é, desde Corax até à modernidade, passando pelo incontornável Aristóteles, a arte da persuasão por excelência. É disso que vivem os incontáveis profissionais do marketing e da publicidade neste mundo mediático de hoje. À líder do PSD, não lhe fazia mal nenhum cuidar de aprender algumas das receitas práticas que os especialistas da oratória disponibilizam a preços variados, à semelhança dos antigos sofistas da época de Péricles. A maior tragédia que se abate hoje sobre o sistema político português prende-se fundamentalmente com a inépcia discursiva dos políticos da oposição. A mensagem, por qualquer motivo inexplicável, não chega ao eleitorado, ou chega-lhe apenas de um modo impróprio e de digestão difícil. É dessa ineficácia que aproveita a maioria socialista. José Sócrates sabe-o bem, e não descura esse aspecto que se constitui como o lubrificante indispensável ao funcionamento da máquina partidária, em particular, e da democracia contemporânea, em geral.

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