A língua portuguesa, que como toda a gente sabe é muito traiçoeira, proporciona ainda assim – abençoada seja! – inumeráveis momentos de gozo, de puro prazer. É por isso que a amo, por ser assim tão deliciosa. E porque vivemos tempos difíceis, tempos em que os prazeres, mesmo os mais comezinhos, custam-nos os olhos da cara, recorro aos prazeres da língua e deixo-me levar pelos sentidos múltiplos das expressões ditas e escritas e pela polissemia das palavras. Mergulho nas águas desse rio caudaloso em dias de primavera tardia e refresco-me recordando as palavras sábias do sábio Heraclito: “ninguém se banha nas águas do mesmo rio”. De palavras é feita a realidade, a nossa, a humana, por não termos outra. É com as palavras que descobrimos o brilho intenso do sol nos tórridos dias de Verão, as cores suaves ou berrantes das coisas naturais, dos artefactos e dos factos, próximos ou distantes; com elas encontramos o caminho que nos leva a casa ou nos perdemos; com as palavras dizemos o amor ou o ódio, nomeamos a esperança e maldizemos a dor e o desespero; são as palavras que nos dizem o que queremos e o que quereríamos nem lembrar; de palavras é feita a matéria densa ou etérea que a imaginação amplifica e disforma a seu bel-prazer; de palavras se tecem teorias, verdades e mentiras, poemas e prosas, erros ou utopias; as palavras permitem até dizer o seu limite – o inominável. De palavras se tece o mundo, este e os outro.
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