“Não me f**** o juízo” é o título de um pequeno livro (94 páginas) publicado, pela editora Bizâncio, no mês de Fevereiro último. Da autoria de Colin McCinn, o mesmo que escreveu “Como se faz um filósofo”, que a referida editora publicou em 2007, o livro aborda o tema da manipulação mental, conforme testemunha o subtítulo “Crítica da manipulação mental”.
O filósofo inglês, actualmente a leccionar na Universidade de Miami, escreve sobre filosofia com a naturalidade de quem respira, dando assim continuidade a uma tradição que teve o seu momento inaugural com os diálogos socráticos de Platão. Essa é a sua principal virtude, a de tornar a filosofia um assunto acessível ao comum dos mortais.
De leitura fácil e rápida (duas horas bastam), o livro principia com um exame do conceito de “foder o juízo” ou “psicofoda”. No primeiro capítulo, Colin McCinn procura determinar o conceito, destacando por um lado a sua proximidade semântica com as noções de “logro”, “manipulação” ou “lavagem ao cérebro”, e por outro lado, realça a analogia corpo-mente que o constitui: “Foder fisicamente uma pessoa é sem dúvida ‘lixá-la’ de alguma maneira e a ‘manipulação’ está aí claramente pressuposta. Analogamente, foder o juízo a alguém é lixar o juízo a essa pessoa, de um modo comparável: é um género de interferência, intervenção ou invasão” (p.21). Esta analogia conduz-nos a uma “dualidade de sentido” que o conceito necessariamente em si transporta, pois a foda pode ser boa ou má, consoante seja desejada e voluntária ou indesejada e involuntária, como é o caso da violação. Como não podia deixar de ser, o autor analisa sobretudo o conceito na sua faceta negativa, sem contudo deixar de referir o seu lado positivo enquanto “experiência reveladora” produzida pela leitura de um livro, por um filme que se viu ou por uma conversa que se entabulou, susceptíveis mudar inteiramente a nossa visão do mundo. A experiência do filosofar, na sua mais nua autenticidade, é um caso típico deste género de psicofoda: “Talvez uma grande parte da atracção que a Filosofia exerce esteja nesta forma benigna de foder o juízo: o arrebatamento intelectual que provoca. A Filosofia trata de revelações grandiosas, sublevações profundas, e isto tende a fazer a mente sentir-se completamente abalada e traumatizada.” (pp.83-84)
Os aspectos mais interessantes do livro prendem-se com a análise da manipulação mental que o percorre. Dando sobretudo realce ao “tipo negativo” de foder o juízo, McCinn atribui aos sofistas a invenção da arte da psicofoda. São eles que elevam a argumentação à condição de arte, usando-a não como instrumento de persuasão racional em busca da verdade, mas antes como técnica retórica de sedução ao serviço do poder. São sobretudo artistas da dissimulação, uma vez que “davam a entender que usavam a persuasão racional (como não, se queriam convencer?) mas na realidade davam apenas a volta às pessoas e fodiam-lhes o juízo. Foram os primeiros peritos na ‘arte de foder o juízo.’” (p.33)
Uma distinção impõe-se para compreender os diferentes matizes da psicofoda. Ela pode assumir duas formas: a pessoal e a colectiva. A primeira é exemplificada pelo “Otelo” de Shakespeare. A segunda, do género institucional, pode ser ilustrada pela religião, pela política ou pela publicidade, nas quais se “denotam fenómenos relacionados” com a “doutrinação”, a “lavagem ao cérebro” e a “propaganda”. A forma mais eficaz de a combater consiste no esforço de esclarecimento, na busca de conhecimento e de informação. No fundo, ainda que o autor não o afirme, o antídoto para combater o veneno tem um nome: liberdade. Só o amor pela liberdade ou o desejo de autonomia nos tornam aptos para um combate difícil, quotidiano e sem tréguas contra o inimigo de mil rostos. O autor, numa página em que remete para o 1984 de George Orwell, afirma: “Assim que uma pessoa começa a suspeitar de que lhe foderam o juízo, contudo, perde-se o poder, porque o logro inerente foi desmascarado. A psicofoda colectiva exige o isolamento informativo, de modo a que nada possa surgir que refute o sistema de crenças falsas impingido às vítimas; é por isso que as nações e seitas que dela dependem são sempre sociedades fechadas. A essência de uma sociedade aberta é o livre afluxo de informação. A psicofoda política esmorece sob o brilho intenso da abertura informativa, porque o conhecimento frustra a manipulação.” (p. 68)
Nos tempos que correm, em que muitos confundem a quantidade de informação com liberdade, a leitura deste pequeno livro pode ser uma experiência gratificante, um exemplo de psicofoda positiva.
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