quinta-feira, março 19, 2009

educar é um dever e não uma estratégia de sedução

Aldo Naouri é pediatra e autor de um livro – “Educar os Filhos” (Livros d’Hoje) – que certamente irei ler pela Páscoa. Nascido na Líbia, onde viveu até aos 19 anos, e desde então radicado em França, o escritor deu uma interessante entrevista que saiu na Visão 837. Se o livro vier a confirmar o teor daquela, será dinheiro bem gasto.
A publicação do livro de Aldo Naouri segue as pisadas de um outro best-seller – “O Pequeno Ditador” do espanhol Javier Urra, publicado pela Esfera dos Livros em 2007. O que pode isto significar? Muitas coisas, evidentemente. Reduzamo-las a duas apenas. Em primeiro lugar, algo de factual: a existência de mercado. A crescente procura anda a par com multiplicação da oferta. Em segundo lugar, algo de sintomático: a existência de fenómenos persistentes de disfunção educativa que atravessam o tecido das sociedades democráticas e lhes devolve a imagem do seu autêntico alter ego que se chama crise.
Na entrevista, o pediatra produz algumas afirmações que esclarecem os dois significados apontados. Começa por referir o número crescente de pais que procuram ajuda “para lidar com o comportamento dos seus filhos”, a par da “multiplicação considerável de educadores de toda a espécie”. Educar tornou-se hoje uma tarefa cada vez mais difícil e complexa, cuja consequência se traduz no aparecimento de crianças ditas problemáticas e na delegação de competências a especialistas. Vivemos tempos de crepúsculo educativo. Os pais, descrentes nas suas próprias capacidades, entregam o dever de educar às instituições que não foram criadas para o efeito. Pior a emenda que o soneto, pois ninguém os pode substituir, nem é desejável que o façam. O erro está no diagnóstico. As crianças não são problemáticas, mas antes mal-educadas ou deseducadas. A mensagem que os pais passam aos seus filhos, ainda que involuntariamente, resulta de ignorarem uma evidência: nem tudo é permitido. (Platão ensinava, há 25 séculos, que todo o mal é fruto da ignorância e, portanto, involuntário) Ora, frequentemente, “a mensagem que a criança apreende é que tudo é permitido”. Como Dostoiesvski demonstrou, nos Irmãos Karamazov, a ideia de que tudo é permitido, está associada à erosão da autoridade e à emergência do niilismo. Os pais, ao encararem a tarefa de educar como uma quase impossibilidade e ao se demitirem desse dever, estão a contribuir decisivamente para o clima de niilismo e de crise educativa que se alastra como fogo em seara enxuta. E tudo isto porque o paradigma educativo se alterou. A modernidade, no seu desenvolvimento democrático, impôs-nos a todos a ideia de que a criança é um sujeito de direitos sem deveres, que deve ser objecto de atenção incondicional, um ser de impulsos e caprichos que merecem ser satisfeitos no imediato, a quem um “não” deve ser sugerido com eufemismos e parcimónia. Sem uma autoridade que balize e refreie os seus impulsos, os pais entregam as crianças “à tirania das suas pulsões”, transformando-as assim em pequenos tiranos em potência, cujas vítimas são em primeiro lugar os elementos da família. Uma nota importante porque significativa: “53% das decisões de compra na família – e estes são apenas números franceses, apontados pelos publicitários – são influenciados pelas crianças”.
Entendendo a crise da educação como uma consequência da ruína da autoridade dos pais, Aldo Naouri põe o dedo na ferida ao afirmar que os pais substituem o dever de educar por estratégias de sedução que, a médio e a longo prazo se traduz na multiplicação de comportamentos selváticos característicos de déspotas que não enxergam um palmo à frente do seu umbigo. Haverá soluções? Sem dúvida. O medo de educar autenticamente deve ser substituído pela responsabilidade de se assumir como prioridade absoluta em relação às crianças. As crianças devem aprender a desejar duas coisas: “agradar aos pais e ganhar-lhes o respeito”. “Para ajudar a resolver os problemas, o que proponho aos pais é uma receita simples: substituir o slogan “a criança primeiro”, por “o casal primeiro. E a vida ficará muito mais fácil.” Para todos, acrescento. Como diria Sherlock Holmes – “elementar meu caro…” A evidência decorre do facto de não haver criança sem família ou, dito de outro modo, são os pais que geram (e educam) os filhos e não estes que geram aqueles.

4 comentários:

Breve Leonardo disse...

Caro JCS

é com respeito que faço este comentário, mas não nos iludamos com as aparências... da leitura que fiz da entrevista de Aldo Naouri, vi mais "talk talk talk" que sapiência necessária nos tempos que correm... (como pais, educadores)colocam-se tantas questões de dificil resolução e aparecem-nos logo soluções avulsas... que respeito, mas carecem de diálogo mais aprofundado para que não se tornem "fundamentalismos infundamentados"... a questão que Dr. Aldo coloca é tão complexa, que colocar de imediato o "ónus da culpa" no lado dos "Pais", só posso considerar, a priori, "capricho intelectual", não colocando em questão a sua experiência nesta matéria...

entretante, convido-o a passar na minha humilde "defesa" em

http://impressoesdigitais2.blogspot.com/2009/03/quando-vida-de-pai-e-uma-especie-de.html

e concorde-se ou discorde-se, mas que não se ignore esta questão que diz respeito ao conjunto da sociedade e se calhar até é "génese dos males contemporaneo". Até Breve

Leonardo B.
Bizarril / Castelo Rodrigo

jcsmadureira disse...

Caro Leonardo
Também eu não embarco em leituras simplistas como as sugeridas pela entrevista dada pelo sr. Aldo Naouri à Visão, entrevista aliás que serve os propósitos de promoção do livro recém publicado. Sei que o problema da educação e da sua crise, nas sociedades democráticas contemporâneas, é complexo e não pode ser reduzido à hipotética disfunção educativa dos pais. Estes, como os professores, e todos os restantes educadores (os cidadãos em geral)apenas respondem ao problema com os dispositivos mentais que a sociedade em geral coloca ao seu dispor. Considero, contudo, que algumas das ideias sugeridas pelo pediatra em questão merecem destaque e reflexão aprofundada, nomeadamente: a ligação da crise da educação, a montante, à crise de autoridade, que é um fenómeno próprio da modernidade; e a dicotomia "dever de educar"/"estratégias de sedução".
Quanto às receitas... não passam disso mesmo, em teoria podem parecer-nos excelentes, mas na prática podem resultar desastrosas.
Do meu ponto de vista, a resolução concreta dos problemas da educação devem ser tentadas no enquadramento de um bom senso esclarecido, mais do que seguir acriticamente as doutrinas dos especialistas encartados.
Se me permite, sugiro-lhe a leitura de dois textos sobre a problemática da crise da educação (talvez os conheça melhor que eu!):
"O fim da autoridade" do filósofo francês Alain Renaut, e "A crise na educação" da filósofa americana de origem alemã Hannah Arendt. Este último integrado no livro "Entre o Passado e o Futuro".
Cumprimentos e até breve
JCS
Lisboa

Breve Leonardo disse...

Caro JCS

pela segunda vez esta manhã, que tento "enviar" umas quantas palavras, alinhadas de acordo com as circunstâncias e da forma como tão diligentemente me respondeu, a este humilde e também por duas vezes aparece aquela coisa idiota "internet explorer não conseguiu encontrar..." e abaixo.
Nesta cirscunstâncias, uma pessoa devia barafustar e pensar que o "mundo uniu-se para conspirar contra mim", mas não... prefiro respirar um pouco e aguardar calmamente que, e assim me permita a inspiração e o decoro, venha até ao meu teclado uns quantos amontoadinhos de letras, mais ou menos legiveis, porque, tal como o titulo daquele livro que agora não consigo recordar o autor: era bom que trocássemos umas ideias sobre o assunto!

Até breve, e permita-me
Um grande abraço desta parte do grande quintal

Leonardo B.
Bizarril / Castelo Rodrigo

(recado ao servidor: yes, agora já não trocas as voltas i.explorer: guardei o texto no bloco de notas!)

jcsmadureira disse...

Caro Leonardo B.

Umas palavras mais, ainda que breves, para lhe dizer que apreciei deveras o seu segundo comentário. Breves porque o tempo, esse deus antropofágico que nos devora irremediavelmente, não me permite, por agora, maiores delongas. Contudo necessárias, em razão de lhe dar conta de uma coincidência. Não faz vinte minutos que, no descanso de uns testes que cansei de avaliar, dei comigo a vasculhar os seus blogs. Melhor dito: a espreitar como quem espreita por uma janela indiscreta. E o que vislumbrei foi o lampejo de alma inquieta em busca do inesperado que o poético sempre em si encerra.
Espreitar uma alma é um jogo para o qual estou destreinado, por isso posso estar inteiramente errado. Seja como for, logo depois, ao consultar a minha caixa de correio electrónico, deparei com o seu comentário. E acho que Mário de Carvalho tem razão: era bom que trocássemos umas ideias sobre o assunto.
Até breve e um abraço
JCS
Lisboa

P.S. Vou tornar à faina