segunda-feira, junho 23, 2008

Dias felizes com e sem lágrimas

O pretexto pode ser um qualquer, desde que o resultado seja o de reunir um conjunto de amigos. No caso foi o de ir depositar as cinzas da dona Rita no cemitério de uma pequena aldeia da Beira-baixa – o Rosmaninhal. Situada a leste de paraíso nenhum (Castelo Branco) e a oeste de um inferno obsoleto (Espanha), a aldeia é tipicamente raiana, lusa no orgulho e na simplicidade.
Composto por catorze elementos, o grupo era homogéneo e coeso: dez adultos (cinco fêmeas e cinco machos) e quatro crianças (quatro rapazes dos dois aos dezasseis anos). Se não fosse o caso de se tratar de seres humanos, poder-se-ia designá-lo pela matilha do Rosmaninhal, tal o modo como se movimentavam e interagiam, quer por afinidades consanguíneas quer por afinidades electivas.
O grupo do Rosmaninhal – assim baptizado – assentou acampamento no hotel Astória, em Monfortinho, que se recomenda, em especial pela arquitectura ao gosto do estado novo. A vila ostenta ainda uma espécie de grandeza de antigamente, exibida sobretudo na decadência de alguns edifícios a que nem o dinheiro nem o bom gosto de restauração bafejaram com melhor sorte. As excepções são as afamadas termas e os hoteis tomados ao cuidado da exploração turística do grupo Espírito Santo.
Os três dias de estadia foram outros tantos de puro gozo dos sentidos: o cheiro da tília, da flor de laranjeira, o sabor da laranja acabada de apanhar, da limonada preparada na hora e do bolo de mel encantado; o bafo cálido da brisa pré-estival; o trinado dos “pintelheiros” e o castanholar das cegonhas; e a paisagem onde o olhar sossega e aspira à eternidade instantânea. As horas, essas passaram-se entre aperitivos tomados à beira do rio Erges ao entardecer, entre almoços e jantares a puxar à conversa fraternal, entre demoradas braçadas na piscina, entre o lanche degustado na esplanada do hotel, entre raquetadas de ping-pong e tacadas de snooker. Houve tempo ainda para uma saltada à cidade espanhola de Alcântara, alcantilada num cume que se ergue para lá da imponente ponte sobre o Tejo, mandada construir pelo imperador Trajano, nos idos da era romana. E no regresso, o fingimento de uma saudade do Portugal profundo que nos comove sem nos comover deveras.
A última nota desta viagem de amizade vai inteirinha para o Rosmaninhal. Terra circunscrita na divisão administrativa beirã, a aldeia do Rosmaninhal tem contudo uma alma alentejana, tal a vastidão da planura que se estende ao olhar alcandorado do adro da Igreja Matriz. Melhor que ninguém descreveu-a Orlando Ribeiro, em 1944. Escutemo-lo (o efeito só se capta se o trecho for lido em voz alta):

«É uma aldeia enorme, antiga vila, de largas ruas e casas pobres, habitada por jornaleiros e alguns senhores que, sendo grandes possuidores de terra, não renunciaram à vida primitiva da lavoura. Do alto da igreja, a vista abrange uma área enorme de seara e montado, que demora entre o Tejo e o Erges, e alcança, passado o vinco destes rios, uma Espanha igualmente desolada. Trigo, centeio, pasto, coutos, arraiais, rebanhos e, nos matagais abandonados anos a fio, caça que pulula entre estevas e giestas. Também a estes maninhos chegam os serranos da Estrela a invernar, com rebanhos chocalhantes de ovelhas negras. O aspecto da região é extremamente rústico e isolado, uma espécie de Alentejo mais arcaico onde a lavoura rotineira mal conhece as inovações que são já a regra desta província. Uma gente de temperamento franco e hospitaleiro, mas rude e altivo, criada à lei da vida solta e dos horizontes largos, uma terra infinita que guarda nas entranhas esperanças e castigos, onde se embebem os olhos que o beirão verdadeiro costuma levantar mais alto.»

Conheçamos também o hino que, mesmo não sendo da alegria, será porventura do contentamento:

HINO DO ROSMANINHAL
Ó Rosmaninhal, terra linda onde eu nasci.
Outra assim igual, tão bonita nunca vi.
O meu coração vai nesta canção,
Vai nela o amor que eu sinto por ti.

Que paz bendita este cantinho,
Terra banhada de Rosmaninho.
Aldeia querida, minha fé, meu doce lar,
tua luz na minha vida, chama eterna a brilhar.

O sol dourado teus tesouros beija.
O mundo inteiro chora de inveja.
Porque afinal, o sol é teu namorado,
Meu belo torrão natal, meu belo cantinho amado


Para saber mais sobre o Rosmaninhal, consultar o endereço:
http://rosmaninhal.no.sapo.pt/index.htm

Uma história feliz a repetir. Assim se crie a oportunidade. Aposto em como se vai repetir. Brevemente. Como diz o poeta: “Deus quer, o homem sonha, a obra nasce”. Pois então que nasça.
(Dedicado ao amigo Xico)

Um comentário:

popeline disse...

Recordar e voltar ao Rosmaninhal com os amigos, amigos muito grandes. Fui abençoado mesmo sendo agnóstico.