Aonde já chega a crise? Fundo, muito fundo. Ela torna-se visível não tanto quando é sentida pelas pessoas dos estratos sociais economicamente mais carenciados – quem quer saber dos pobres, senão do ponto de vista das estatísticas? –, mas a partir do momento em que fustiga as classes médias. Então sim, é que ela ganha verdadeira visibilidade.
A um pobre, tudo o que ultrapasse o seu magríssimo pecúlio é demasiado, tanto faz que seja 50 ou 100 euros. Quem vive com pouco e esse pouco não lhe chega, o que lhe sobra em miséria é sempre demais. O acréscimo de miséria é ainda e sempre miséria. Não existem graduações nem quantitativos. Abaixo do limiar da pobreza, apenas há uma qualidade e condição: a de ser miserável. Ao contrário do que acontece com os imensamente ricos, em que é possível e usual graduar e quantificar o pecúlio (os cem mais ricos, os quinhentos mais ricos), nenhuma outra classe está sujeita a ordem de grandeza. É um absurdo pensar estabelecer o ranking dos mais pobres, ou dos mais remediados. Parece uma contradição nos termos. A ordenação da riqueza só faz sentido relativamente à quantificação do muitíssimo. Só a partir de uma quantia avultada se justifica graduar por ordem de grandeza. O mesmo não se passa em relação a quem vivia com o suficiente ou mesmo com mais do que o suficiente – que podiam aplicá-lo em pequenos luxos ou em pequenas poupanças – mas que agora já não chega para esconder o espectro do empobrecimento. É na classe média que a crise financeira mais se evidencia, em razão dos empréstimos acumulados em tempo de vacas gordas. Basta estar atento ao pormenores do quotidiano. É o automóvel que permanece na garagem semanas a fio, o pronto a vestir cuja visita se adia até que dias melhores venham, o arranjo e a pintura do cabelo que se disfarça como se pode (fugindo-se o espelho como o diabo da cruz), as consultas ao ginecologista ou ao dentista que se desmarcam a pretexto de qualquer impossibilidade de agenda, as viagens de férias que se transferem para o imaginário de um programa assistido pela televisão, ou, na pior das hipóteses, o bife de alcatra ou do lombo que é substituído pelo fígado de porco adornado de cebolada, as t-shirts de marca que se vêem substituídas pelas suas homólogas compradas na feira de domingo de manhã, os cêntimos recontados que se empilham disfarçadamente no balcão da pastelaria para pagar o café que nos há-de tirar o sono mais à noitinha, precisamente quando aproveitamos a insónia para conjugar os dias que faltam no mês com os magros euros que dificilmente chegarão para cobrir as despesas correntes. Um sufoco. Que o diga quem não tiver vergonha, como o vizinho empresário da construção que, por falta de empreitadas, decidiu comprar o passe de metro e juntar-se, manhã cedíssimo, aos inúmeros utentes do mesmo, engrossando o número daqueles que vêem, de dia para dia, crescer o contingente os pedintes.
A um pobre, tudo o que ultrapasse o seu magríssimo pecúlio é demasiado, tanto faz que seja 50 ou 100 euros. Quem vive com pouco e esse pouco não lhe chega, o que lhe sobra em miséria é sempre demais. O acréscimo de miséria é ainda e sempre miséria. Não existem graduações nem quantitativos. Abaixo do limiar da pobreza, apenas há uma qualidade e condição: a de ser miserável. Ao contrário do que acontece com os imensamente ricos, em que é possível e usual graduar e quantificar o pecúlio (os cem mais ricos, os quinhentos mais ricos), nenhuma outra classe está sujeita a ordem de grandeza. É um absurdo pensar estabelecer o ranking dos mais pobres, ou dos mais remediados. Parece uma contradição nos termos. A ordenação da riqueza só faz sentido relativamente à quantificação do muitíssimo. Só a partir de uma quantia avultada se justifica graduar por ordem de grandeza. O mesmo não se passa em relação a quem vivia com o suficiente ou mesmo com mais do que o suficiente – que podiam aplicá-lo em pequenos luxos ou em pequenas poupanças – mas que agora já não chega para esconder o espectro do empobrecimento. É na classe média que a crise financeira mais se evidencia, em razão dos empréstimos acumulados em tempo de vacas gordas. Basta estar atento ao pormenores do quotidiano. É o automóvel que permanece na garagem semanas a fio, o pronto a vestir cuja visita se adia até que dias melhores venham, o arranjo e a pintura do cabelo que se disfarça como se pode (fugindo-se o espelho como o diabo da cruz), as consultas ao ginecologista ou ao dentista que se desmarcam a pretexto de qualquer impossibilidade de agenda, as viagens de férias que se transferem para o imaginário de um programa assistido pela televisão, ou, na pior das hipóteses, o bife de alcatra ou do lombo que é substituído pelo fígado de porco adornado de cebolada, as t-shirts de marca que se vêem substituídas pelas suas homólogas compradas na feira de domingo de manhã, os cêntimos recontados que se empilham disfarçadamente no balcão da pastelaria para pagar o café que nos há-de tirar o sono mais à noitinha, precisamente quando aproveitamos a insónia para conjugar os dias que faltam no mês com os magros euros que dificilmente chegarão para cobrir as despesas correntes. Um sufoco. Que o diga quem não tiver vergonha, como o vizinho empresário da construção que, por falta de empreitadas, decidiu comprar o passe de metro e juntar-se, manhã cedíssimo, aos inúmeros utentes do mesmo, engrossando o número daqueles que vêem, de dia para dia, crescer o contingente os pedintes.
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