segunda-feira, junho 02, 2008

da crise e da crítica, etc.

Crise é hoje a palavra mais falada e escutada em Portugal. E aposto que a mais escrita e lida. Nos jornais e revistas não se escreve e se lê outra coisa, mesmo que a palavra lá não figure. É preciso ler nas entrelinhas. Escreve-se a propósito da crise ambiental, da crise dos combustíveis, da crise da banca, da crise imobiliária, da crise dos valores e da educação, que o serviço nacional de saúde está em crise, que a crise está para durar, crise para aqui e crise para acolá. Os noticiários televisivos, para além das desgraças alheias do sangue suor e lágrimas, afinam pelo mesmo diapasão. As conversas de ocasião, que o cidadão comum e anónimo vai mantendo para se sentir vivo, para além do tempo que não há meio de aquecer e enxugar, reproduz a ladainha: “isto é que vai uma crise!”. Sinal dos tempos ou sintoma de uma modernidade moribunda em busca dos seus sete palmos de terra. Mesmo o Governo, habitualmente formatado por um tom mais optimista e pró-activo, decidiu que era hora de introduzir no seu discurso a palavra crise. Se não podes com eles, junta-te a eles.
Ora, não há pior coisa do que encarar uma crise a partir de preconceitos e de ideias feitas. Como dizia Hannah Arendt, tal procedimento só contribui para nada compreender e para acentuar o fenómeno. E este deve ser perspectivado como uma oportunidade para o analisar criticamente. Não é por acaso que as palavras crise e crítica são etimologicamente aparentadas, como se de irmãs gémeas se tratasse, ou melhor, são as duas faces de uma mesma moeda. Pena é que pouca gente dê por isso, e se limite a repetir os mesmos lugares comuns ad nauseam. Em vez de se falar tanto de crise, se calhar melhor seria fazer uso da crítica. Mas para isso era preciso que não estivéssemos tão conformados e nos sentíssemos mais vivos.

Um comentário:

popeline disse...

Ah, mas com o Euro aí, a crise está a banhos até o pessoal deixar de andar aos xutos à bola.