terça-feira, julho 31, 2007

o país está em banho-maria

O país está a banhos. Do Algarve ao Minho, as praias enchem-se de magotes de portugueses que, ano após ano, vão aperfeiçoando a sua destreza no seu desporto favorito – dar banho à minhoca ou ao mexilhão. À medida da bolsa de cada um, escolhem-se “resorts” de luxo com praias privativas ou então os transportes públicos que conduzem multidões para as “praias dos tesos”.
Entretanto, os “media” adaptam as suas estratégias ao apetite dos consumidores em época de veraneio. Aparecerão inevitavelmente as notícias dos incêndios (lembro-me que até o famigerado incêndio do Chiado ocorreu num Agosto para mim já longínquo), dos roubos de gado numa qualquer aldeia do interior, dos mortos nas estradas assassinas, das transferências milionárias dos jogadores afortunados (agora menos afortunados, coitados, por terem de pagar mais impostos). Para já não falar de notícias dos desempregados, dos sem-abrigo, dos miseráveis a quem a sorte não bafejou e dos desvalidos a quem a vida pregou a mais negra das partidas. Tudo isto para que o banhista que há em cada um de nós se julgue imune às tragédias alheias e se sinta, na comiseração convencional, o mais sortudo dos mortais. De assuntos políticos pouco se falará (os assuntos sérios não se coadunam com os banhos de Verão). Em Setembro logo se vê. O país está em banho-maria. Bem merece quem ainda não é defunto.

domingo, julho 29, 2007

rouxinol faduncho

A grelha de Verão da RTP1 está verdadeiramente transfigurada, para melhor. Aos sábados passa, em horário nobre, um programa intitulado Rouxinol Faduncho Rodoviário. O que se exibe é parte de digressão feita pelo cantor Marco Horácio – e ainda há quem pense que um nome não predestina os feitos de quem o ostenta – por terras portuguesas, que é uma espécie de prolegómenos ao êxito futuro por que passaram os mais inspirados cançonetistas nacionais. O repertório do artista conta já com sucessos de registo, tais como Dona Maroca, Fado das Barracas, Tasca do Zé Tinhoso e o famosíssimo Cães de Loiça. O pseudónimo artístico é uma delícia, pois que se trata de um oximoro nada ocasional – Rouxinol Faduncho. Relembre-se que faduncho significa fado ligeiro ou sem qualidade, o que contradiz a natureza da ave. O estilo do autor enquadra-se na categoria de fado humorístico e alguns dos seus tiques de cantor fazem lembrar o melhor do saudoso Herman José. O que nos é apresentado pelo autor é o kitsch na única expressão que aprecio: a do foleiro que, pela sua mesma manifestação, nos conduz à crítica por via do riso. Uma Crítica da Razão Risível que nenhum filósofo, que eu conheça, soube ainda inventar. Vale a pena pesquisar do You Tube.

quinta-feira, julho 26, 2007

medo

Manuel Alegre recusa-se a ficar calado. O clima de medo que se gerou nos últimos meses a propósito dos “pontuais” mas repetidos casos “que têm em comum a delação e a confusão entre lealdade e subserviência” levaram o histórico deputado do PS a fazer ouvir a sua voz, uma vez mais, contra o “clima propício a comportamentos com raízes profundas na nossa história, desde os esbirros do Santo Ofício até aos bufos da PIDE”. Alegre coloca os valores da liberdade e da democracia acima dos valores do partido. Lembra que “quem se cala perante a delação e o abuso está a inculcar o medo. Está a mutilar a sua liberdade e a ameaçar a liberdade dos outros”. Acrescenta, procurando caracterizar o medo. “Medo de falar e de tomar livremente posição. Um medo resultante da dependência e de uma forma de vida partidária reduzida a seguir os vencedores (nacionais ou locais) para assim conquistar ou não perder posições (ou empregos). Medo de pensar pela própria cabeça, medo de discordar, medo de não ser completamente alinhado”. E termina deste modo, não sem antes referir as suas discordâncias (muitas) com a linha de rumo que o governo tem tomado: “Agora e sempre contra o medo, pela liberdade.”

Outro histórico do PS e seu fundador, António Arnaut, em entrevista à revista Visão hoje, descreve assim a geração que actualmente está no poder: “É um produto das circunstâncias. Noto falta de cultura cívica. É gente sem reflexão sobre os comportamentos, a arte, a literatura e a história do nosso povo. A cultura é uma sabedoria que se recolhe da experiência vivida. Muitos deles não têm uma ideia para Portugal, não conhecem o país. Vivem do imediatismo, da conquista do poder. Conquistado, vivem para aguentá-lo. Esta geração vale-se mais da astúcia do que da seriedade. E aprendeu os ensinamentos de Maquiavel.” À pergunta se assistimos hoje a um Portugal amordaçado, responde: “Algumas pessoas acomodam-se, querem manter os seus poderes e tendem a bajular o chefe. (…) Um país sem humor não tem futuro. Um tipo com cultura tem humor! Basta ter lido o Eça.”

O filósofo José Gil, no seu “best-seller” Portugal, Hoje: O Medo de Existir, cita Hannah Arendt: “a tirania cria um deserto de medo e de suspeita, sem leis nem barreiras. Este deserto não é de modo nenhum um espaço vital para a liberdade, mas deixa ainda algum lugar aos movimentos e acções que o medo e a suspeita inspiram aos seus habitantes”.

Alexandre O’Neill escreveu um poema sobre o medo:

POEMA POUCO ORIGINAL DO MEDO

O medo vai ter tudo
pernas
ambulâncias
e o luxo blindado
de alguns automóveis

Vai ter olhos onde ninguém os veja
mãozinhas cautelosas
enredos quase inocentes
ouvidos não só nas paredes
mas também no chão
no tecto
no murmúrio dos esgotos
e talvez até (cautela!)
ouvidos nos teus ouvidos

O medo vai ter tudo
fantasmas na ópera
sessões contínuas de espiritismo
milagres cortejos
frases corajosas
meninas exemplares
seguras casas de penhor
maliciosas casas de passe
conferências várias
congressos muitos
óptimos empregos
poemas originais
e poemas como este
projectos altamente porcos
heróis
(o medo vai ter heróis!)
costureiras reais e irreais
operários
(assim assim)
escriturários
(muitos)
intelectuais
(o que se sabe)
a tua voz talvez
talvez a minha
com certeza a deles

Vai ter capitais
países
suspeitas como toda a gente
muitíssimos amigos
beijos
namorados esverdeados
amantes silenciosos
ardentes
e angustiados

Ah o medo vai ter tudo
tudo

(Penso no que o medo vai ter
e tenho medo
que é justamente
o que o medo quer)

O medo vai ter tudo
quase tudo
e cada um por seu caminho
havemos todos de chegar
quase todos a ratos

Sim
a ratos








quarta-feira, julho 25, 2007

do iberismo e de saramago

Confesso que não li a entrevista que José Saramago deu ao Diário de Notícias, no passado dia 15. A minha cabeça está, de momento, ocupada com outras coisas, uma das quais, bem mais importante para mim, a preparação das férias que se avizinham. Contudo, acho o tema da entrevista aliciante. Como tal, pensei escrever algumas palavras sobre o assunto. Já percebi que a minha opinião vai em contra mão. Uma busca rápida na net com as palavras “José Saramago” e “iberismo” não dá margem para dúvidas. Vociferam-se impropérios ao Nobel, clama-se “aqui d’el rei”, grita-se “Olivença é nossa!”. No reino da blogosfera, afina-se a voz pelo coro dos anti-iberistas. Lembra-se o ditado “de Espanha nem bom vento, nem bom casamento” para apregoar alto e bom som o nacionalismo luso.
Tudo isto por que o homem, uma vez mais, voltou, em estilo provocatório, a enunciar uma tese por si próprio há muito tempo defendida, pelo menos desde a Jangada de Pedra. No romance a metáfora é clara: homens e mulheres navegam pelo mar fora na mesma jangada. Mas quantos o leram? Quantos entenderam a mensagem? A diferença agora é que não se trata de um romance, de um exercício ficcional, nem do escritor. É o homem José Saramago, casado com uma espanhola, vivendo à 14 anos em Lanzarote, em terras do arqui-inimigo, que tem a ousadia já não de propor o iberismo como utopia, mas de prognosticar o fim do país naturalmente é o seu. Parece que afirma que Portugal acabará por se tornar uma província de Espanha, tomando esta o mítico nome Ibéria. Consta que defende ter a nação lusa tudo a ganhar com isso em termos de desenvolvimento, caso houvesse uma “integração territorial, administrativa e estrutural” com nuestros hermanos. Chega mesmo a ter o desplante de sugerir que os portugueses estão prontos a aceitar de coração aberto o enlace ibérico. Estarão deveras? Por que não fazer um referendo, já que estamos em maré deles? Eu cá alinho na ideia.
A ideia não é nova, vem do tempo dos afonsinos e alguns dos escritores saídos da fornada da geração de 70 argumentavam a favor dela. Os tempos hoje são outros, os da globalização e da Europa politicamente unida. No meu pobre entendimento, os tempos que correm, correm justamente de feição à utopia escrevinhada na Jangada de Pedra. Porquê? Por que a integração nos tornaria mais fortes no jogo da política internacional. Mais fortes não apenas em termos político-económicos, mas também no que concerne ao sócio-cultural. Creio que nos tornaríamos uma força peninsular de respeito no interior da Europa dos trinta ou trinta e cinco. Lutaríamos ombro a ombro com o Reino Unido, a Alemanha e a França. O que perderíamos? Vagos sentimentos sebastianistas e um feriado, o da Restauração. Não seríamos os mesmos. Obviamente que não. Mas nunca somos os mesmos. Seríamos diferentes? É claro. Seríamos melhores? Não tenho dúvidas.
É evidente que os preconceitos históricos nos impedem de pensar friamente no assunto. Talvez daqui a um século nos estejamos a rir de tais preconceitos serôdios, como nos rimos hoje dos nossos preconceitos racistas ou sexuais passados. Ou não é o caso?

quinta-feira, julho 12, 2007

S.J.M.D.

Os professores portugueses que se cuidem! Para além do que muito padecem (desautorização, injúrias, sevícias e o diabo a sete), começam a ser vítimas de uma recente epidemia mortal: o Síndroma da Juntas Médicas Doutrinadas (S.J.M.D.). Parece que deram em morrer de cancro e em serviço. Estóicos (o estoicismo é uma ética de tempos de decadência disfarçada). A propósito dos casos vindos a público, a Ministra da Educação lava as mãos como Pilatos. Não é matéria do seu pelouro nem da sua competência. O Primeiro-Ministro, mais sensato, diz-se chocado como aliás toda a opinião pública. Não contribuíram ambos para indispor a opinião pública contra os professores? Não terão dado uma mãozinha perversa às Juntas Médicas que, nos últimos tempos, desataram a indeferir pedidos mais do que justificados de reformas antecipadas? Não acredito! Mas o Primeiro-Ministro garante-se chocado com as notícias das mortes anunciadas e promete mudanças. Medidas urgentes. Auditoria às Juntas Médicas e alteração na legislação que a lhes dizem respeito. Por que razão não acredito, senhor Primeiro-Ministro? Entretanto, os professores que encomendem já as suas urnas funerárias. E paguem antecipadamente o funeral póstumo a crédito. Aproveitem. Depois de mortos e enterrados, ninguém lhes cobrará um cêntimo.

domingo das urnas

No domingo, vamos a votos outra vez. Vamos? Não sei se irei. Pela primeira vez, desde o início dos anos 80, estou indeciso. Esclareço. A minha indecisão não se cola à escolha dos candidatos ou ao voto em branco, o que já me aconteceu (nunca a 4 dias das eleições, é certo). Não está associada a um hipotético fim-de-semana de corpo estirado sobre as areias morenas de qualquer praia algarvia. Não se prende com férias no estrangeiro ou no Portugal profundo. A minha indecisão – que será a de muitos lisboetas, creio – tem que ver com a natureza dos candidatos. Desacredito de todos. Do imponderável António Costa ao indescritível Carmona Rodrigues, passando pelo insubornável Sá Fernandes, etc. Se for às urnas (tétrico, bem sei), por imperativo ético ou cívico, talvez vote na imprevisível Helena Roseta. Sem nenhuma convicção, acrescento. Um único argumento dela quase me convence. Afirma: “em casas pobres as mulheres é que gerem o dinheiro. É um facto.” Mas como dizia o filósofo “não há factos, apenas interpretação de factos”. E a minha interpretação conduz-me a duas observações e uma pergunta. Primeiro, não gerem o dinheiro mas a penúria dele; segundo, é a experiência da pobreza que lhes ensina a correcta gestão da escassez; terceiro, que experiência tem a arquitecta da pobreza? Dúvidas e mais dúvidas. Por isso, talvez no domingo não vá a votos. Há sempre uma primeira vez. A acção política não é sinónima de ir às urnas. Um funeral sim. Sinceramente, não me apetece acompanhar esse morto à sua última morada.

terça-feira, julho 03, 2007

o filósofo andarilho ou o viajante e a sua sombra

A leitura de algumas cartas de Nietzsche – que cobrem um intervalo temporal de vinte anos, isto é desde o período em que conhece Richard Wagner, em Novembro de 1968, até aos primeiros dias de 1889, imediatamente antes de sucumbir à loucura – provocou em mim uma amálgama de sentimentos contraditórios, da quase exaltação à quase angústia. Homem íntegro e absolutamente coerente com as suas convicções, amigo incondicional e inimigo impiedoso, generoso na dádiva extrema de si próprio, desbravador do insondável da alma humana, “dinamite” como de definiu um dia. Foi sempre um pensador no fio da navalha, implacável e acerado no bisturi da crítica, que o haveria de conduzir à mais radical das suspeitas – a de que a civilização ocidental, no somatório dos seus vinte e cinco séculos, assenta no erro terrível que degenerou em decadência e niilismo, esse veneno que asfixia o homem e produz uma cultura anémica. Jovem catedrático em filologia clássica, leccionou durante dez anos em Basileia, até que a doença, o sofrimento e a descrença o fizeram abandonar os círculos académicos, em 1878, e enveredar pela aventura quase solitária de uma vida errante. Passou a ser, a partir de então, o Viajante e a sua sombra. Daí para diante, o filósofo andarilho produziu grande parte da sua obra escrevendo a lápis em caderninhos pequenos, enquanto marchava. O vigor da marcha que o conduzia aos cumes, que o levava a pelos bosques e vales verdejantes, esse mesmo vigor cadenciava os seus pensamentos, servia de dínamo às ideias e intuições fulgurantes que ia registando com esforço. Em carta endereçada a seu amigo Peter Gast, de 5 de Outubro de 1879, num dos períodos mais sofridos da sua existência atribulada, escrevia: “Com excepção de algumas linhas, o total foi concebido ao ritmo da marcha e esboçado com lápis em seis caderninhos: a transcrição dava-me náuseas. Tive de deixar passar uma vintena de encadeamentos mais extensos, desafortunadamente alguns dos mais essenciais, porque nunca tinha tempo suficiente para extrai-los da horrível garatuja produzida a lápis: o que já me sucedeu o Verão passado. Depois disso, o encadeamento dos pensamentos escapa à minha memória: com efeito, tenho de arrebatar os minutos e os quartos de hora à “energia do cérebro” de que você fala, arrancando-os de um cérebro que sofre. Por vezes, parece-me que não poderei fazê-lo jamais. Leio a cópia e custa-me entender-me a mim mesmo, de tão angustiada que está a minha cabeça.” Dos primeiros dias de Janeiro de 1889 até meados de Agosto de 1900, o filósofo do Assim falava Zaratustra viveu submerso por uma loucura porventura de origem congénita.

domingo, julho 01, 2007

"Não deixes que te metam patranhas na cabeça"

Às vezes, quando estou cansado, cansado do dia a dia que parece sem sentido, cansado das horas desditosas, cansado das promessas por cumprir, da retórica que nos enreda numa teia laboriosamente tecida pró engano, da conversa oca dos que falam muito porque nada têm para dizer, cansado acima de tudo por ser a hora dos cansaços, como diz o poeta, recosto-me no sofá e leio um poema. Sei o que ele me traz – o vigor de uma utopia íntima e a esperança de um renascer. Hoje foi este o poema que o acaso escolheu para mim. Ofereço-vo-lo. Pegai e lede-o, pois é sem custos.

LOUVOR DO APRENDER
Aprende o mais simples! Pra aqueles
Cujo tempo chegou
Nunca é tarde demais!
Aprende o abc, não chega, mas
Aprende-o! E não te enfades!
Começa! Tens de saber tudo!
Tens de tomar a chefia!

Aprende, homem do asilo!
Aprende, homem na prisão!
Aprende, mulher na cozinha!
Aprende, sexagenária!
Tens de tomar a chefia!

Frequenta a escola, homem sem casa!
Arranja saber, homem com frio!
Faminto, pega no livro: é uma arma.
Tens de tomar a chefia.

Não te acanhes de perguntar, companheiro!
Não deixes que te metam patranhas na cabeça:
Vê c’os teus próprios olhos!
O que tu mesmo não sabes
Não o sabes.
Verifica a conta:
És tu que a pagas.
Põe o dedo em cada parcela,
Pergunta: Como aparece isto aqui?
Tens de tomar a chefia.

Bertolt Brecht

Depois de o ler, dei comigo a pensar – quanto mais não vale este poema do que todas as reformas educativas e todos as iniciativas “Novas oportunidades”. Só é pena que haja pouca gente a dar por isso. Faço coro com Brecht: "não deixes que te metam patranhas na cabeça".

O seu a seu dono


Ninguém me convence do contrário. Existe certamente um qualquer princípio osmótico que filia umbilicalmente os cães a seus donos. Não. Não se trata apenas da osmose dos traços de carácter. Isso é evidente. Donos rabugentos, conflituosos ou rufias geram, na maioria dos casos, cães desconfiados, agressivos e perigosos. Do que se trata é de um tipo de identificação plástica que faz com que os cães ou as cadelas – há que referir ambos em prol do discurso politicamente correcto – assumam, muitas vezes, uma similitude flagrante com as pessoas que os têm a seu cargo. Que provas tenho eu disso? Inúmeras, como devem imaginar, agora que me tornei um assíduo frequentador de locais em que os donos levam os seus canídeos a passear. Nunca antes imaginei fazer amizades com pessoas estranhas. Amizades é porventura uma palavra forte, excessiva. Em abono da verdade não lhe chamarei tal. Afinidades talvez. Afinidades caninas. São precisamente estas que me põem em contacto com gente de toda a espécie e figura: a senhora de cabelo grisalho e encaracolado que passeava pela trela o seu sósia caniche; o jovem imberbe e borbulhento arrastava o seu rafeiro também ele cravejado de pústulas faciais; a adolescente escanzelada de anoréctica que vigiava sofregamente a sua cadela esgalgada; a quarentona nutrida de carnes e de olheiras carregadas que cumulava de beijos lambidos o seu terrier com auréolas negras ao redor dos olhos; o indivíduo com ar de GNR e bochechas a pender devido à força gravítica que fustigava verbalmente o seu buldogue de beiçolas caídas. Enfim, só tenho pena de não andar munido de uma máquina fotográfica para retratar com objectividade o que acabo de descrever. Paciência. O decoro não o permite, nem a boa educação. O meu cão, felizmente, tem um ar jovial, alegre, bem disposto, dotado de bem porte e pêlo luzidio. Pela descrição, devem adivinhar a minha figura, modéstia à parte. Fiel à minha convicção, coloquei uma fotografia do meu “Tota” no topo da página do meu blogue.