domingo, julho 01, 2007

"Não deixes que te metam patranhas na cabeça"

Às vezes, quando estou cansado, cansado do dia a dia que parece sem sentido, cansado das horas desditosas, cansado das promessas por cumprir, da retórica que nos enreda numa teia laboriosamente tecida pró engano, da conversa oca dos que falam muito porque nada têm para dizer, cansado acima de tudo por ser a hora dos cansaços, como diz o poeta, recosto-me no sofá e leio um poema. Sei o que ele me traz – o vigor de uma utopia íntima e a esperança de um renascer. Hoje foi este o poema que o acaso escolheu para mim. Ofereço-vo-lo. Pegai e lede-o, pois é sem custos.

LOUVOR DO APRENDER
Aprende o mais simples! Pra aqueles
Cujo tempo chegou
Nunca é tarde demais!
Aprende o abc, não chega, mas
Aprende-o! E não te enfades!
Começa! Tens de saber tudo!
Tens de tomar a chefia!

Aprende, homem do asilo!
Aprende, homem na prisão!
Aprende, mulher na cozinha!
Aprende, sexagenária!
Tens de tomar a chefia!

Frequenta a escola, homem sem casa!
Arranja saber, homem com frio!
Faminto, pega no livro: é uma arma.
Tens de tomar a chefia.

Não te acanhes de perguntar, companheiro!
Não deixes que te metam patranhas na cabeça:
Vê c’os teus próprios olhos!
O que tu mesmo não sabes
Não o sabes.
Verifica a conta:
És tu que a pagas.
Põe o dedo em cada parcela,
Pergunta: Como aparece isto aqui?
Tens de tomar a chefia.

Bertolt Brecht

Depois de o ler, dei comigo a pensar – quanto mais não vale este poema do que todas as reformas educativas e todos as iniciativas “Novas oportunidades”. Só é pena que haja pouca gente a dar por isso. Faço coro com Brecht: "não deixes que te metam patranhas na cabeça".

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