quinta-feira, julho 26, 2007

medo

Manuel Alegre recusa-se a ficar calado. O clima de medo que se gerou nos últimos meses a propósito dos “pontuais” mas repetidos casos “que têm em comum a delação e a confusão entre lealdade e subserviência” levaram o histórico deputado do PS a fazer ouvir a sua voz, uma vez mais, contra o “clima propício a comportamentos com raízes profundas na nossa história, desde os esbirros do Santo Ofício até aos bufos da PIDE”. Alegre coloca os valores da liberdade e da democracia acima dos valores do partido. Lembra que “quem se cala perante a delação e o abuso está a inculcar o medo. Está a mutilar a sua liberdade e a ameaçar a liberdade dos outros”. Acrescenta, procurando caracterizar o medo. “Medo de falar e de tomar livremente posição. Um medo resultante da dependência e de uma forma de vida partidária reduzida a seguir os vencedores (nacionais ou locais) para assim conquistar ou não perder posições (ou empregos). Medo de pensar pela própria cabeça, medo de discordar, medo de não ser completamente alinhado”. E termina deste modo, não sem antes referir as suas discordâncias (muitas) com a linha de rumo que o governo tem tomado: “Agora e sempre contra o medo, pela liberdade.”

Outro histórico do PS e seu fundador, António Arnaut, em entrevista à revista Visão hoje, descreve assim a geração que actualmente está no poder: “É um produto das circunstâncias. Noto falta de cultura cívica. É gente sem reflexão sobre os comportamentos, a arte, a literatura e a história do nosso povo. A cultura é uma sabedoria que se recolhe da experiência vivida. Muitos deles não têm uma ideia para Portugal, não conhecem o país. Vivem do imediatismo, da conquista do poder. Conquistado, vivem para aguentá-lo. Esta geração vale-se mais da astúcia do que da seriedade. E aprendeu os ensinamentos de Maquiavel.” À pergunta se assistimos hoje a um Portugal amordaçado, responde: “Algumas pessoas acomodam-se, querem manter os seus poderes e tendem a bajular o chefe. (…) Um país sem humor não tem futuro. Um tipo com cultura tem humor! Basta ter lido o Eça.”

O filósofo José Gil, no seu “best-seller” Portugal, Hoje: O Medo de Existir, cita Hannah Arendt: “a tirania cria um deserto de medo e de suspeita, sem leis nem barreiras. Este deserto não é de modo nenhum um espaço vital para a liberdade, mas deixa ainda algum lugar aos movimentos e acções que o medo e a suspeita inspiram aos seus habitantes”.

Alexandre O’Neill escreveu um poema sobre o medo:

POEMA POUCO ORIGINAL DO MEDO

O medo vai ter tudo
pernas
ambulâncias
e o luxo blindado
de alguns automóveis

Vai ter olhos onde ninguém os veja
mãozinhas cautelosas
enredos quase inocentes
ouvidos não só nas paredes
mas também no chão
no tecto
no murmúrio dos esgotos
e talvez até (cautela!)
ouvidos nos teus ouvidos

O medo vai ter tudo
fantasmas na ópera
sessões contínuas de espiritismo
milagres cortejos
frases corajosas
meninas exemplares
seguras casas de penhor
maliciosas casas de passe
conferências várias
congressos muitos
óptimos empregos
poemas originais
e poemas como este
projectos altamente porcos
heróis
(o medo vai ter heróis!)
costureiras reais e irreais
operários
(assim assim)
escriturários
(muitos)
intelectuais
(o que se sabe)
a tua voz talvez
talvez a minha
com certeza a deles

Vai ter capitais
países
suspeitas como toda a gente
muitíssimos amigos
beijos
namorados esverdeados
amantes silenciosos
ardentes
e angustiados

Ah o medo vai ter tudo
tudo

(Penso no que o medo vai ter
e tenho medo
que é justamente
o que o medo quer)

O medo vai ter tudo
quase tudo
e cada um por seu caminho
havemos todos de chegar
quase todos a ratos

Sim
a ratos








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