quinta-feira, janeiro 31, 2008

apenas duas notícias

No dia 25 do presente mês que hoje termina, vieram a público duas notícias que, de curiosas que são, ocuparam pontualmente algum do meu tempo de reflexão. A oportunidade de escrever sobre elas passou. No entanto, apesar de intempestivos, não posso deixar de registar os seguintes apontamentos.

Primeira notícia:
Uma sondagem, encomendada para o Fórum Económico Mundial, revela serem os professores de entre um molho de outros profissionais, os que merecem a maior confiança e a quem mais prontamente entregariam o poder. As perguntas eram, respectivamente: “em qual deste tipo de pessoas confia?” e “a qual dos seguintes tipos de pessoas daria mais poder no seu país?”
Vale a pena citar a fonte quase integralmente (Agência Lusa):
“Os professores merecem a confiança de 42 por cento dos portugueses, muito acima dos 24 por cento que confiam nos líderes militares e da polícia, dos 20 por cento que dão a sua confiança aos jornalistas e dos 18 por cento que acreditam nos líderes religiosos. Os políticos são os que menos têm a confiança dos portugueses, com apenas sete por cento a dizerem que confiam nesta classe. Relativamente à questão de quais as profissões a que dariam mais poder no seu país, os portugueses privilegiaram os professores (32 por cento), os intelectuais (28 por cento) e os dirigentes militares e policiais (21 por cento), surgindo em último lugar, com seis por cento, as estrelas desportivas ou de cinema. A confiança dos portugueses por profissões não se afasta dos resultados médios para a Europa Ocidental, onde 44 por cento dos inquiridos confiam nos professores, seguindo-se (tal como em Portugal) os líderes militares e policiais, com 26 por cento. Os advogados, que em Portugal apenas têm a confiança de 14 por cento dos inquiridos, vêm em terceiro lugar na Europa Ocidental, com um quarto dos europeus a darem-lhes a sua confiança, seguindo-se os jornalistas, que são confiáveis para 20 por cento. A confiança dos portugueses por profissões não se afasta dos resultados médios para a Europa Ocidental, onde 44 por cento dos inquiridos confiam nos professores, seguindo-se (tal como em Portugal) os líderes militares e policiais, com 26 por cento. Uma vez mais, os políticos surgem na cauda, com apenas oito por cento dos 61.600 inquiridos pela Gallup, em 60 países, a darem-lhes a sua confiança. Os professores surgem na maioria das regiões como a profissão em que as pessoas mais confiam. Os docentes apenas perdem o primeiro lugar para os líderes religiosos em África, que têm a confiança de 70 por cento dos inquiridos, bastante acima dos 48 por cento dos professores, e para os responsáveis militares e policiais no Médio Oriente, que reúnem a preferência de 40 por cento, à frente dos líderes religiosos (19 por cento) e professores (18 por cento). A Europa Ocidental daria mais poder preferencialmente aos intelectuais (30 por cento) e professores (29 por cento), enquanto a nível mundial voltam a predominar os professores (28 por cento) e os intelectuais (25 por cento), seguidos dos líderes religiosos (21 por cento). A Gallup perguntou “em qual deste tipo de pessoas confia?”, indicando como respostas possíveis políticos, líderes religiosos, líderes militares e policiais, dirigentes empresariais, jornalistas, advogados, professores e sindicalistas ou “nenhum destes”, tendo esta última resposta sido escolhida por 28 por cento dos portugueses, 26 por cento dos europeus ocidentais e 30 por cento no mundo. A Gallup questionou “a qual dos seguintes tipos de pessoas daria mais poder no seu país?”, dando como opções políticos, líderes religiosos, líderes militares e policiais, dirigentes empresariais, estrelas desportivas, músicos, estrelas de cinema, intelectuais, advogados, professores, sindicalistas ou nenhum destes. A opção “nenhum destes” foi escolhida por 15 por cento em Portugal, 19 por cento na Europa Ocidental e 23 por cento a nível internacional.”
Salvo as compreensíveis excepções (África e Médio Oriente), os professores lideram e os políticos surgem na cauda das preferências. O que tem isto de significativo? Em primeiro lugar, talvez seja de considerar que estas duas profissões pressupõem uma relação com a verdade antagónica. Se os professores estabelecem com a verdade uma relação de intimidade quotidiana, tendo como principal escopo da sua actividade preservá-la e transmiti-la, os políticos são-lhe avessos por natureza, preocupando-se fundamentalmente com o efeito retórico das suas opiniões e com o poder manipulador de uma mentira oportuna e cosmeticamente adornada. Em segundo lugar, convém salientar que os professores mantêm um contacto próximo com uma camada da população (as crianças e os jovens) mais desprotegida e mais sensível à frontalidade e à sinceridade, ao passo que os políticos privilegiam um certo distanciamento com as populações, que nem a mediatização consegue disfarçar. Em terceiro lugar, esta mesma mediação dá mais visibilidade aos aspectos negativos do carácter dos políticos (corrupção, incoerências argumentativas e inconsistências práticas, etc.), mantendo os professores num limbo de invisibilidade mediática, que muito contribui para os salvaguardar do seu efeito corrosivo, em termos de opinião pública. Em quarto lugar, por norma, os professores raramente abraçam a vocação política, e quando o fazem é como se vendessem a sua alma – talvez uma leitura atenta de Max Weber, nomeadamente dos seus textos “A Política como Vocação” e “A Ciência como Vocação” nos revelasse as razões para o facto referido.

Segunda notícia:
Numa reunião entre os deputados do PS - que fazem parte da Comissão Parlamentar de Educação - e a equipa do Ministério liderado por Maria de Lurdes Rodrigues, teve como resultado algumas frases que revelam bem a consideração e o respeito que esta tem tido pelos professores, ao longo destes dois últimos anos. Em questão estava a análise de dois decretos-leis – o da avaliação dos docentes e o da gestão das escolas – que têm merecido o repúdio dos profissionais do ensino e a desconfiança, quanto à sua legalidade, das pessoas mais imunes à intoxicação da opinião pública que o ministério tem levado a cabo, na sua tentativa de denegrir a imagem dos professores. No calor do debate, os responsáveis do ministério terão acusado os deputados de pretenderem dar voz aos “professorzecos”. Único comentário – inqualificável.
Num mesmo dia, a confiança dos professores, manifestada em termos mundiais e corroborada pela voz dos portugueses, viu-se manchada e atirada à lama pelos membros da equipa da ministra Maria de Lurdes Rodrigues. É caso para perguntar: o que os faz correr? Não terão vergonha na cara?

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