quarta-feira, junho 06, 2007

Do Zé e dos outros

À excepção de Platão e do meu amigo Zé Ernesto (ex-pastor e agora camionista de longo curso) – o primeiro por considerá-los uns embusteiros e, por conseguinte, perniciosos à República; o segundo por achar que não passavam de uma corja de meliantes que se serviam do seu “métier” como mero estratagema para a boa vida –, à excepção de ambos, dizia eu, toda a gente que conheço nutre pelos artistas alta estima e apreço.
Não pretendo com isto afirmar que o meu amigo Zé seja platónico. Nem tal me passaria pela cabeça. Não violo o princípio da não-contradição por dá cá aquela palha. Aliás, violá-lo seria para mim crime tão hediondo como violar uma qualquer adolescente com formas de Afrodite apetecível, por mais que o cão do desejo se não cansasse de me ladrar à porta, como diz o poeta. O caso é outro e bem diverso. O caso é eu – que me perdoe o Zé e Platão (amigo de ambos, mas mais amigo da verdade) – alinhar noutra equipa, precisamente naquela que apregoa caber à arte, mais do que à ciência ou à filosofia, um papel determinante na justificação da existência. Nisto sou nietzscheano, confesso. Na sua obra inaugural, “O nascimento da tragédia”, publicada em 1871 sob o signo de Wagner, Nietzsche exprime a sua “metafísica de artista”, defendendo, entre outras, a seguinte tese: só a arte (trágica) justifica a existência. Tendo como adversário Platão (Sócrates), “o ponto solsticial e a coluna em torno da qual gira a dita história do mundo” (NT, 15), o filósofo do pessimismo trágico começa, na obra citada, o seu combate contra uma concepção teórica que dominou o destino da civilização ocidental, desde que o racionalismo estético de Sócrates assassinou a tragédia. Ancorado numa concepção trágica da existência (que aceita a dor e o sofrimento como condição de possibilidade de transfiguração da vida em potência), Nietzsche propõe uma inversão de valores e a aceitação do mundo sensível como o único capaz de potenciar a existência: “Temos, agora, de avançar briosamente para o terreno de uma metafísica da arte, retomando uma das nossas asserções, a saber, que a existência do mundo não parecem justificáveis a não ser como fenómeno estético: neste sentido, o mito trágico deve convencer-nos que, até mesmo o horrível e o monstruoso, são um jogo estético com que a vontade brinca na eterna plenitude da sua existência” (NT, 24). Que me dizes a isto Zé? Eu sempre disse que não eras platónico. Talvez esteja em condições para afirmar que talvez também tu sejas nietzscheano. Mesmo que o não saibas. Direi mais. Talvez sejamos hoje em dia todos um pouco nietzscheanos sem o que de tal suspeitemos. Mas seremos mesmo?

2 comentários:

Anônimo disse...

Entao? Já passaram os Santos Populares e as marchas e o blogue continua em banho-maria? Chico da Popeline

jcsmadureira disse...

Pois é, amigo Chico, dos santos e das marchas que se dizem populares nem dei conta de que passaram. Tens razão, o blogue continua em banho-maria. É o trabalho, não há maneira de me livrar dele. Agora estou prestes a meter-me com uma editora para escrever material didáctico. Estou à volta da organização de papeis e mais papeis que, não tarda, submergem-me definitivamente. Mas prometo arranjar umas horinhas por semana para dedicar ao blogue e colocá-lo novamente em ponto de ebulição. Um abraço.Zé Carlos