quarta-feira, abril 16, 2008

a minha pátria é a língua portuguesa

O Acordo Ortográfico está em discussão. O intenso debate de que tem sido objecto revela o óbvio – a existência de um desacordo profundo e insuperável. Não se esperava outra coisa.
Em nome da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), os defensores do acordo exibem argumentos de natureza política. Sustentam que o acordo é bom para difundir no mundo uma língua falada por cerca de 200 milhões de pessoas, para lhe conferir poder na luta pela sobrevivência à escala mundial, para facilitar e potenciar os negócios entre os países que se expressam na língua de Camões, contribuíndo para o enriquecimento destes puxados a reboque por essa potência emergente que dá pelo nome de Brasil. Este argumento é análogo aos que normalmente são utilizados pelos acérrimos adeptos da globalização de cariz neoliberal. A maximização da riqueza e do bem estar materiais justifica a morte dos particularismos e das idiossincrasias obsoletas e terceiro-mundistas. A tónica está no desprezo com que olham para as especificidades locais e culturais, considerando-as como minudências arcaicas que um darwinismo exacerbado não contempla no rol dos organismos mais aptos à sobrevivência. A morte de consoantes intervocálicas é celebrada como um hino ao progresso.
Confesso que me sinto mais próximo dos críticos do acordo, que comungo de grande parte dos argumentos com que justificam a sua tese, mesmo que esses argumentos se reduzam à expressão de um egoísmo pessoal, do género “como é que eu me vou adaptar?”. De resto, tenho horror a palavras como “seção”, “ótimo” e “úmido”. Abomino-as, pronto. Mas sobretudo acho este acordo vai enfraquecer de facto a língua enquanto ser vivo. Não é a biodiversidade desejável do ponto de vista da saúde planetária? Não é a multitude de formas e de espécies que contribui para a riqueza da bioesfera? Não é a diversidade orgânica que possibilita a selecção (nunca hei-de escrever seleção) natural?
“A minha pátria é a língua portuguesa”, afirmou um dia Fernando Pessoa. Quase apostava a vida em como o poeta não pretendia fazer nenhuma afirmação de índole política ou expensionista, mas tão somente afirmar a diferença e o imenso amor por esse organismo que se chama língua lusa.

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