domingo, novembro 25, 2007

uma reflexão sobre educação

“ (…) Estaríamos a trair a confiança que o público nos dispensa se, em vez de alargar a capacidade de entendimento dos jovens entregues ao nosso cuidado e em vez de os educar de modo a que no futuro consigam adquirir uma perspectiva própria mais amadurecida, se em vez disso os enganássemos com uma filosofia alegadamente já acabada e cogitada por outras pessoas em seu benefício. Tal pretensão criaria a ilusão de ciência.”
Immanuel Kant

Na opinião pública corrente, muitos são os discursos que referem a importância ou da cultura do esforço ou da cultura do prazer, para levar a bom termo o processo de ensino-aprendizagem. Esta visão dicotómica da realidade pedagógica traduz duas perspectivas, que se pretendem antagónicas na assumpção de convicções/ideologias extremadas, as quais não é invulgar ouvir, amiúde, da boca desses protagonistas responsáveis do processo educativo que são os professores.
Por norma, os defensores da cultura do esforço escarnecem dos seus adversários, recorrendo a lugares-comuns como “aprender não é uma brincadeira” ou “a sala de aula não é um recreio”. Do binómio ensino-aprendizagem entendem que o primeiro dos termos (o professor) deve submeter o segundo (o aluno) a um exercício magistral de um saber, que se transmite e se deve reproduzir ipsis verbis. Os alunos devem sofrer a acção de uma formatação automática, que os testes/exames se encarregarão de avaliar. Sabem de ciência certa que é o objecto (saber/conteúdos/fins) que determina o sujeito (competências/meios).
Também por norma, os defensores da cultura do prazer lamentam as atrocidades a que os alunos estão sujeitos, às mãos dos mestres-escola saudosistas do antigamente. Horrorizados perante “os espaços concentracionários” que são certas escolas, refugiam-se no ideário rousseauniano e sonham com a utopia de uma escola sem normas, em que a criança, qual planta exótica e exuberante, se desenvolve, ao Deus dará, como “indivíduo todo ele sentimento”, livre das amarras de qualquer compromisso linguístico-social. Intuem que o aluno é um sujeito puro, que se constrói de si para si, num solipsismo hedonista que está para lá de qualquer princípio que não seja o do prazer.
Esta caricatura nada mais pretende ser do que um esboço, em jeito de arremedo, de posições pedagógicas que se vão tomando ao sabor de modas e de idiossincrasias, e que configuram dois “estilos de liderança” ou “modelos de professor” opostos e inconciliáveis: o “autocrático” e o “laissez-faire”. Um e outro remetem para ideologias que constituíram as mundividências predominantes com que o português se apetrechou para enfrentar os problemas da educação. Ambos se alicerçam em vivências políticas que se sucederam de um dia para o outro – a do autoritarismo policiário de outrora e a do exercício irresponsável da cidadania com que quotidianamente nos mascaramos para jogar uma democracia de Carnaval.
É o défice do autêntico exercício democrático que nos impede de tomar os problemas da educação na sua real dimensão, e nos não permite vislumbrar possíveis soluções que, havendo coragem de o experimentar de forma participada e directa, não sejam de todo impossíveis de encontrar. Se a escola é o reflexo da vida social e política, a ela que caberá porventura o papel crucial na transformação desse tecido múltiplo e complexo em que todos nós nos movemos. Talvez seja a hora de assumirmos como nossa (da escola) a tarefa de promover uma cultura verdadeiramente democrática que nos falta. Que modelo pedagógico se encaixará nesta exigência de formar para a cidadania participada e directa?
Em tese, destaca-se o modelo protagonizado pelo “Movimento da escola moderna”, o qual dá “especial relevo à construção da formação democrática na escola, através dos subsistemas de circulação dos saberes, de cooperação educativa no trabalho de aprendizagem e de participação democrática na organização social das aprendizagens curriculares.” Deste ponto de vista, a construção da formação democrática pressupõe que a orgânica da educação escolar se faça pela articulação dos subsistemas enumerados.
Dos circuitos de comunicação se exige que sejam livres do policiamento que lhes atrofia a expressão plural. A liberdade de expressão, o livre acesso à informação, a interacção com o outro, o diálogo, e a busca conjunta do saber e do saber-ser, constituem uma dinâmica e um clima capaz de estimular “os alunos a desenvolver formas variadas de representação e a constituírem, em interacção, os conhecimentos sobre o mundo e a vida.”
Das estruturas de cooperação educativa espera-se que cimentem a construção de uma dinâmica intersubjectiva, de comportamentos e processos cooperativos, lançando as bases de uma aprendizagem do que é viver numa comunidade democrática. A aquisição de competências relacionais e cooperativas reforça o sentimento de que a subordinação dos objectivos individuais aos objectivos comuns é o motor do sucesso do grupo, e desvaloriza a competitividade individual como mecanismo de desenvolvimento pessoal e intelectual.
Da participação democrática directa dos alunos, em todos os momentos/decisões da governação do barco educativo, é legítimo esperar que contribua para a formação da plena cidadania, pois só mediante a experiência quotidiana do exercício democrático se adquirem valores e “princípios universais de justiça, reciprocidade, igualdade e respeito pela dignidade dos seres humanos”
A aprendizagem do “ser-com-os-outros”, da cidadania comprometida, é uma ferramenta não apenas mental mas existencial, que cabe à escola ensinar em prol da construção de um amanhã em que se respire e transpire uma cultura democrática. Ensinar e aprender requerem esforço e prazer partilhados. É da partilha da experiência democrática que se constrói a cidadania.

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