quarta-feira, novembro 21, 2007

falácias de um discurso político

As mais recentes declarações mediáticas da Ministra da Educação, senhora Maria de Lurdes Rodrigues de seu nome, são um exemplo claro do que é uma peça de retórica política. Em resposta à questão de hipoteticamente constituírem as medidas tomadas pela sua tutela um ataque aos professores, ou, numa linguagem mais coloquial, se o seu ministério está contra os docentes, ela respondeu com um não rotundo. O que seria de esperar, de seguida, uma vez que estamos em presença de uma “ex-prof” do ensino universitário, doutorada em Sociologia, o expectável era que ela se servisse de uma conjunto de argumentos sólidos e fortes, inatacáveis do ponto de vista lógico, capazes de sustentar a sua tese. Em suma, que proferisse um discurso consistente. Mas, o que não é de espantar, quem deu voz ao discurso foi o político (o género para o caso não interessa). E como político, usou de uma estratégia tipicamente retórica. Não respondeu directamente à questão. Limitou-se a vestir a sua visão maniqueísta da política educativa com a roupagem de argumentos persuasivos no pior sentido do termo, isto é, preocupou-se em manipular o auditório. Ora, a persuasão manipuladora visa não esclarecer e elevar intelectualmente o auditório, mas apenas fazê-lo aderir às suas teses, cativando-o pela via mais imediatista – a emotiva. Como diria um dos teóricos da argumentação, Chaïm Perelman, não cuidou de convencer mas de persuadir, que é como quem diz, não expôs razões, mas procurou dispor emoções.
Aristóteles, o primeiro grande teórico da retórica, afirmaria a pés juntos que o discurso da Ministra da Educação é um exemplo clássico de um discurso que usa um tipo específico de prova – o “pathos”. Servindo-me livremente de uma semelhança fonética, eu diria que o seu discurso foi patético, no sentido em que só os patetas de deixam persuadir por manipulação das suas emoções, que não por razões. Mas mais ainda nos ajuda o filósofo que fundou o Liceu em Atenas, no longínquo século IV a.C. Disse que os argumentos típicos do discurso retórico eram o exemplo e o entimema (argumento que não é possível avaliar em termos de validade porque contém uma ou mais premissas omitidas). Foi precisamente de argumentos desta categoria que a Ministra de educação se serviu para (não)justificar o que imperioso seria que justificasse. Para ilustrar a sua pseudo-resposta, ela exemplificou e “entimemou”, para além de “maniquear”. O seu raciocínio é de uma linearidade assustadoramente perversa. Como se realidade educativa do Portugal presente foi uma realidade a preto e branco, em que as alternativas fossem apenas um mero sim ou sopas (falácia que dá pelo nome de falso dilema). Os sindicatos (que estão contra as actuais políticas educativas que são boas) defendem os interesses dos professores. Os responsáveis pela boa política educativa deste governo (aulas de substituição, rigor, etc.) defendem os interesses dos alunos e dos encarregados de educação. Deixou, como estratégia retórica, que fosse o auditório a sacar a conclusão, que, de tão linear, só pode ser esta: os professores que estão com o sindicato são maus, os restantes, que apoiam as medidas do ministério, são bons. E isto a pouco mais de uma semana da greve marcada pelos sindicatos que representam a totalidade do espectro político. Mas não serão as premissas discutíveis? Não representarão os sindicatos, para além dos seus legítimos interesses corporativos, outros interesses? Não deveria o Ministério da sua tutela, Sra. Ministra, defender também os interesses dos professores, para além do mais? Poderão os objectivos da educação ser atingidos apenas respeitando os interesses de alunos e encarregados de educação? E já agora, outra questão: será um discurso falacioso a melhor arma para resolver os problemas graves e profundos em matéria educativa?
Termino com um texto de uma mulher, de seu nome, Hannah Arendt. Não sei se a cidadã Maria de Lurdes Rodrigues já teve oportunidade de reflectir sobre as questões que nele são colocadas:
“Nunca nin­guém duvidou que a verdade e a política sempre estiveram em bastante más relações e, tanto quanto eu saiba, também nunca ninguém incluiu a boa fé na classe das virtudes políticas. As mentiras sempre foram consideradas necessárias e justificáveis, não apenas à profissão do político e do demagogo, como até do próprio estadista. Por que será assim? O que é que isto represen­ta, por um lado, para a natureza e dignidade da esfera política e, por outro, para a natureza e dignidade do domínio da verdade e da boa fé? Será da essência da verdade ser inoperante e da essên­cia do poder ser enganador? Que género de realidade possui a verdade, se não consegue poder no domínio público, o qual, mais do que outra esfera qualquer da vida humana, confere rea­lidade à existência dos homens, que nascem e morrem, ou seja, de seres que sabem que surgiram do não-ser para a ele retoma­rem depois de uma breve passagem? E, no fim de contas, não será tão desprezível a verdade impotente quanto o poder que não se preocupa com a verdade? Estas são questões bem emba­raçosas, mas que não podem deixar de advir necessariamente das nossas convicções correntes sobre a matéria.”

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