domingo, junho 21, 2009

a condenação de sócrates

Depois de um longo interregno e no antegozo das férias que não tardam, apetece-me escrever sobre Sócrates, de forma solta e ao correr da pena (literalmente ao correr do teclado). Refiro-me ao filósofo grego, de quem Nietzsche, na sua obra Crepúsculo dos Ídolos, traça o seguinte retrato: «Quanto à origem, Sócrates pertencia ao povo mais baixo: Sócrates era da populaça. Sabe-se, vê-se ainda, que ele era horroroso. A fealdade, já em si uma objecção, é para os gregos quase uma refutação. Era, de facto, Sócrates um grego? A fealdade é, com bastante frequência, a expressão de um desenvolvimento híbrido, obstruído pelo cruzamento. Noutros casos, surge como evolução decadente. Os criminalistas antropólogos dizem-nos que o delinquente típico é feio: monstrum in fronte, monstrum in animo. Mas o criminoso é um décadent. Era Sócrates um delinquente típico? – Pelo menos não o contradiz aquele famoso juízo de fisionomista, que tanto escandalizou os amigos de Sócrates. Um estrangeiro, que percebia de rostos, ao passar por Atenas, disse de caras a Sócrates que ele era um monstrum – que ele albergava em si todos os piores vícios e inclinações. E Sócrates limitou-se a responder: “Conheceis-me bem, senhor!”»
As teses do filósofo alemão sobre o seu antecessor grego são controversas. Desde a sua obra seminal O Nascimento da Tragédia até à sua obra terminal Ecce Homo, exceptuando algumas passagens das suas obras apolíneas – tais como Aurora e a Gaia Ciência – o juízo de Nietzsche sobre Sócrates é categórico: acusa-o de ter contribuído, ainda que indirectamente, para a morte da tragédia grega, e consequentemente, para a decadência da cultura ocidental. Sócrates seria, deste ponto de vista, o primeiro arauto do niilismo, essa genérica vontade de negatividade que caracteriza o homem da modernidade. Para Nietzsche, a condenação e morte de Sócrates, longe de constituir uma iniquidade, foi uma tentativa desesperada de recuperar uma vitalidade cultural e política que teria caracterizado a época dos pré-socráticos. Tratou-se, pois, de um julgamento por razões políticas. Nietzsche, fiel ao seu estilo e ao seu modo de filosofar – a golpes de martelo – nunca explicita as razões políticas da acusação de Sócrates, apenas as sugere.
Os testemunhos de Platão e de Xenofonte, excessivamente preocupados com a defesa do mestre, ocultam-nas mais do que as evidenciam. Nas suas apologias, dizem-nos ambos que Sócrates foi acusado de corromper a juventude e de não acreditar nos deuses da cidade. Ambas as fontes pretendem que Sócrates foi injustamente confundido com os sofistas, os quais, na época conturbada de finais do século V e início do século IV, na ressaca da guerra do Poloponeso, eram, aos olhos dos atenienses, os responsáveis pela degenerescência dos costumes e dos valores. Platão faz mesmo referência a acusadores mais antigos que Ânito, Meleto e Lícon – precisamente a Aristófanes, o primeiro, nas Nuvens, em 423 a.C., a referir-se a Sócrates como um sofista.
Quais as razões autênticas da acusação contra Sócrates? Talvez nunca o venhamos a saber. Existe uma pista. Ténue, sem dúvida. Mas dá que pensar. Ela remete-nos para um panfleto perdido do sofista Polícrates que, por volta de 393 ou 394 a.C. – meia dúzia de anos após a morte de Sócrates – terá sido do conhecimento público da “inteligentia” ateniense, e que pretensamente reproduziria o verdadeiro discurso de acusação. Nela se faria referência aos fatídicos discípulos de Sócrates – Alcibíades e Crítias, que tiveram atitudes de desprezo pelas leis da cidade e estiveram associados ao período de revolta antidemocrática e de vigência da tirania dos trinta –, ao desprezo socrático pelo povo e pelo regime de sorteio característico da magistratura e democracia atenienses. A ser verdade, percebe-se melhor as razões por que Sócrates foi condenado à morte. No rescaldo da humilhação sofrida às mãos de Esparta, adversários da democracia imperialista de Atenas, atitudes e juízos declaradamente antidemocráticos só poderiam ter como resultado uma reacção de animosidade crescente contra um indivíduo que assumiu para si mesmo a missão de reformar a sua cidade. A cidade interpretou isso como um fardo (mais um) demasiado pesado para suportar sobre os seus ombros já cansados. E castigou o filósofo duramente, dando a beber a cicuta que o imortalizou.

3 comentários:

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