sábado, março 19, 2011

Precisamos de utopias como de pão para a boca

Precisamos de utopias como de pão para a boca. Numa época em que o neo-capitalismo de rosto consumista se mundializa – escorado num ultraliberalismo sem freio e num hedonismo de apetite insaciável – não se descortina, no horizonte imediato, um rasgo no céu da política capaz de nos redimir do pecado do individualismo radical ou do egoísmo ético que configuram o espírito do tempo e nos moldam o carácter.
A weltanschauung dominante da modernidade tardia em que nos cabe viver identifica-se com aquilo a que Max Weber designa por “espírito do capitalismo”. Se despojarmos este espírito da sua dimensão religiosa – da ética protestante e ascética – descobriremos um dos seus traços característicos que é precisamente a crença num progresso irreversível da acumulação de capital, de onde procede a mobilização da força do trabalho como força produtiva da riqueza geral da sociedade. O combustível desta dinâmica de crescimento de consumo chama-se publicidade comercial, ou melhor ainda, propaganda ideológica, pois o objecto que se vende é, antes do mais, uma mercadoria revestida de uma ideologia: o capitalismo consumista. Sob a ética consumista o poder da publicidade assume tendências totalitárias, tomando conta de todas as dimensões da vida humana e encerrando-a numa “jaula de ferro”. No entanto, o móbil de crescimento ilimitado que subjaz à ideologia do capitalismo consumista esbarra com o espectro de um futuro sem história, porque sem homens. Ao limite, este “totalitarismo publicitário” conduzir-nos-á (se é que já não nos conduziu) a um beco sem saída, até onde caminhará o “último homem”, incapaz de se superar a si mesmo.
Só uma utopia concretizável nos facultará um guia para sair do beco para onde nos fomos conduzindo. É disso mesmo que nos fala Serge Latouche no seu livro Pequeno Tratado do Decrescimento Sereno (Edições 70, 2011). Partindo da convicção de que “o capitalismo generalizado não pode deixar de destruir o planeta tal como destruiu a sociedade e tudo o que é colectivo”, este arauto do “decrescimento sereno” considera que a sua concepção de uma “sociedade do decrescimento não é nem um retorno ao passado, nem uma acomodação ao capitalismo”, mas sobretudo uma “superação (…) da modernidade”. Resta saber se esta utopia é concretizável, isto é, se o futuro a acolherá como condição de possibilidade para superação do “último homem”.

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