segunda-feira, março 22, 2010

sociedade do conhecimento e da informação - um lugar-comum

É corrente, hoje em dia, depararmo-nos com a designação “sociedade do conhecimento e da informação”. Tropeçamos nela com frequência, em todos os géneros de discurso, orais ou escritos. Tornou-se um lugar-comum, uma ideia feita, um preconceito. Como todos os conceitos - que vão perdendo o seu valor facial original à medida se transformam em moeda de uso (e abuso) corrente – também este se vulgarizou e passou a ocupar esse espaço não físico onde se alojam as ideias que nos habituámos a não questionar e onde se desenvolve uma imunidade ao problematizável. Poderíamos em rigor designá-lo como espaço mental do inquestionável. Existe uma semelhança entre o lugar-comum e o dogma religioso. A natureza do dogma religioso remete-nos para o domínio mental da crença incontestada, cuja intencionalidade pode ser descrita como um movimento de adesão total a uma ideia. Por norma, a crença incontestada traduz-se num enunciado que pressupomos ser incondicionalmente verdadeiro, seja porque não existem condições empíricas susceptíveis de o verificar, seja porque estamos perante um axioma que fundamenta a coerência interna do próprio sistema lógico ou teológico.
Ao ouvirmos ou lermos a expressão “sociedade do conhecimento e da informação”, aplicada à sociedade tecnologicamente desenvolvida em que nos vemos obrigados a viver, sob pena de cairmos numa espécie de marginalização sem retorno, não ousamos esboçar a mais pequena dúvida. Não ousamos formular, por exemplo, as seguintes questões: existiram sociedades que não fossem do conhecimento e da informação? Quais? É possível a existência de uma sociedade sem troca de informação e sem partilha de conhecimento? O que significa a designação “sociedade do conhecimento e da informação” por contraposição a outras sociedades que o não são? É uma questão de diferença de grau de conhecimento e de informação? De natureza dos mesmos?

domingo, março 21, 2010

dias

Começou ontem a primavera. O equinócio trouxe-nos, uma vez mais, noite e dia com a mesma duração. Hoje já o dia ganha avanço sobre a noite. É dia da árvore e dia da poesia. Hoje plantei uma árvore e li um poema. A árvore - uma tília - será multiplamente centanária, se a deixarem. O poema será certamente eterno. O poema intitula-se a "voz da tília" e a voz que primeiramente o cantou pertence a Florbela Espanca. e a voz canta assim:
A VOZ DA TÍLIA
Diz-me a tília a cantar: "Eu sou sincera,
Eu sou isto que vês: o sonho, a graça;
Deu ao meu corpo, o vento, quando passa,
Este ar escultural de bayadera ...
E de manhã o Sol é uma cratera,
Uma serpente de oiro que me enlaça...
Trago nas mãos as mãos da Primevera...
E é para mim que em noites de desgraça
Toca o vento Mozart, triste e solene,
E à minha alma vibrante, posta a nu,
Diz a chuva sonetos de Verlaine..."
E, ao ver-me triste, a tília murmurou:
"Já fui um dia poeta como tu...
Ainda hás-de ser tília como eu sou..."