terça-feira, maio 05, 2009

exercícios com língua

Por vezes apetecia-me simplesmente escrever ao correr da pena, deixar-me levar pelo ritmo da língua ou pelo sabor das palavras. Escrever desligado do assunto ou do tema, alheio aos argumentos consequentes com as teses a defender ou a refutar. Escrever tão só de ouvido, escutando apenas a música das vogais e das consoantes. Escrever como aquele perdigueiro que fareja a sua presa; assim eu gostaria de perseguir metáforas e transposições metonímicas. Mas falta-me o talento ou a bovina paciência, esse ruminar lento que consiste em surpreender a palavra exacta que veste o sentimento ou a ideia. Falta-me a intuição poética das coisas. Habito outro tempo e outro lugar externo à ontologia própria da língua que amo em cada sílaba. Língua arquitectada num seu ritmo e harmonia únicos, e – há quem o garanta – que estrutura o seu modo singular de olhar o mundo, visível e invisível. Por vezes apetecia-me morrer e renascer vestindo a alma de um poeta. Ser o outro que sonhei num país longínquo de que não lembro o nome, de que recordo somente a geografia das nuvens suspensas na tarde morna, que o vento insinua quando passa e não torna.

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