Apesar da total falta de sentido de humor, o nosso primeiro-ministro chega por vezes a ter piada. Amarela, bem entendido. Sobretudo quando – e a propósito de manifestações de protesto de que ele é o alvo visado – se refere à democracia. Afirmou ele ontem à tarde, quando foi surpreendido à porta da sede do PS, no Largo do Rato, por uma manifestação espontânea constuituída por dezenas de professores: “É inqualificável que tentem condicionar a actividade um partido. Nunca tinha visto isto em tantos anos de democracia. Isto não tem nada a ver com democracia, tem a ver com falta de educação. Mas o Partido Socialista não se deixa condicionar". É sabido que José Sócrates se irrita com muita facilidade perante manifestações desta natureza. Mas não tem razão. A democracia é justamente o sistema político que faz do pluralismo das opiniões o seu “élan vital”; sem este, a democracia perde sentido, na medida em que contraria o seu espírito e perverte a sua essência. Numa democracia parlamentar, uma das poucas formas que o cidadão comum tem de participar activamente nas decisões políticas é manifestar-se a favor ou contra elas – para além do voto. Ora, sugerir que as manifestações de protesto nada têm de democrático, que constituem acções de inqualificável falta de educação ou civismo, é um absurdo político. Das duas uma: ou o chefe do Governo nunca soube o que é o pluralismo democrático (que não se reduz ao espaço parlamentar, felizmente); ou então, esqueceu-se – porventura no momento em que o seu absolutismo político se viu forçado a conviver, devido ao solipsismo da sua postura, com a contestação social. Afinal, como o próprio afirmou não há muito tempo: é a festa da democracia. E ainda agora a procissão vai no adro...
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