A Europa vive hoje tempos sombrios. Não tão sombrios como os que viveu durante as duas guerras mundiais, ou outros em que foi palco de sangrentos conflitos por motivos territoriais e ideológicos – políticos, económicos ou religiosos. No entanto, depois da segunda guerra mundial, a Europa, qual fénix, renasceu das suas próprias cinzas. Ao longo de meia dúzia de décadas, parecia fadada para concretizar a utopia comunitária que lança as suas raízes no “projecto da paz perpétua” kantiano e na profecia dos Estados Unidos da Europa, de Victor Hugo. Após o período que medeia entre Março de 1957 (Tratado de Roma) e Dezembro de 2007 (Tratado de Lisboa), a Europa parece ter entrado numa espiral de entropia que a conduzirá inevitavelmente ao fracasso e fim de um sonho. Terminará o sonho em pesadelo? Quais os contornos do que se avizinha? Não o sabemos. Mas podem muito bem coincidir com os do fim de uma “ideia da Europa”, a qual, no dizer de Husserl, “designa a unidade de uma vida espiritual e uma actividade criativa”, que se identifica com a Filosofia.
A tese de Husserl, no seu texto A Filosofia e a Crise do Homem Europeu (1935), é conhecida. De tão conhecida, talvez já tenha entrado no esquecimento. E como o esquecimento das raízes pode ser perigoso! Revisitá-la pode, pois, ser uma boa terapia. Não será deste tipo de terapias que os europeus hoje mais precisam?
A tese de Husserl, no seu texto A Filosofia e a Crise do Homem Europeu (1935), é conhecida. De tão conhecida, talvez já tenha entrado no esquecimento. E como o esquecimento das raízes pode ser perigoso! Revisitá-la pode, pois, ser uma boa terapia. Não será deste tipo de terapias que os europeus hoje mais precisam?
Segundo Husserl, a Europa origina-se em solo grego, nos séculos VII e VI a.C., e tem como protagonistas os filósofos que ousaram empreender a aventura espiritual do pensamento crítico, conduzindo-os por veredas nunca antes percorridas, as veredas do questionamento da tradição e das verdades aceites como óbvias, em virtude de uma atitude natural. A mudança de atitude em que assenta o filosofar (epoché transcendental) traduz-se numa “cultura de ideias” cujos vectores principais são a autonomia e a universalidade que configuram a “forma espiritual da Europa”. A crise desta forma de ser cultura radica no empobrecimento da essência da racionalidade europeia – originariamente filosófica – que se alienou numa racionalidade unilateral inerente ao modelo hegemónico das ciências (naturalismo e objectivismo), inscrito no projecto da modernidade. Esta crise tem apenas duas saídas; ou a decadência, que significa o triunfo do irracionalismo e da barbárie (o sono da razão já tinha criado o monstro Hitler); ou o heroísmo da razão que conduziria ao renascimento da Europa. Para que tal suceda é necessário ter a coragem de travar “um combate sem fim”. Conhecem-se os inimigos. No entanto, “o maior perigo da Europa é o grande cansaço”.
Seremos nós hoje capazes de vencer o cansaço e de lutar contra as reconfigurações do tal naturalismo e objectivismo de que falava Husserl? Que rostos novos apresentam nos dias de hoje? Estaremos à altura de, parafraseando Eduardo Lourenço, proceder à “invenção de um caminho e de uma saída que ninguém nos deu nem pode descobrir em vez de nós”? (Da Europa como Cultura, 1989) Seja como for, nunca será demais ouvir, a propósito, as palavras sensatas de George Steiner: “É entre os filhos frequentemente cansados, divididos e confundidos de Atenas e de Jerusalém que poderíamos regressar à convicção de que ‘a vida não reflectida’ não é efectivamente digna de ser vivida.” (A Ideia da Europa, 2004) Vale a pena terminar com outra questão: não conduziria o fim da Europa ao fim da Filosofia ou, evocando novamente Eduardo Lourenço, ao fim de “uma certa maneira de ser cultura”?
Publicado originalmente no blog Jerusalém
Publicado originalmente no blog Jerusalém
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