sábado, novembro 14, 2009

do bacalhau e do alho

Há uns anos a esta parte, o pequeno Saúl brindava-nos com uma cançoneta, brejeira até ao tutano, intitulada “o bacalhau quer alho”. Nela é patente um traço de carácter do português, desse mesmo a quem muitas vezes se diz: “és danado para a brincadeira”. Da autoria do não menos brejeiro Quim Barreiros, a cançoneta, que andou de boca em boca a fazer as delícias de muitos e arrepiar a espinha moral a uns quantos, pode ser revisitada aqui:



Lembrei-me dela, por repentina associação de ideias, ao ler uma passagem de um livro interessante – Algumas notas para a história da alimentação em Portugal (Campo das Letras) – de José Pedro de Lima-Reis. A páginas tantas, ao dar conhecimento dos usos e costumes alimentares do reinado de Afonso V (1325-1357), o autor dá conta da primeira associação histórica entre o bacalhau e o alho. Vale a pena transcrever a passagem:
“Em 1553, parte para Inglaterra, como único emissário dos mercadores portugueses, Afonso Martins Alho, que tem nome inscrito numa das ruas da cidade do Porto e que, pela sua sagacidade, o povo eternizou. Tanto assim que, ainda hoje, seiscentos e cinquenta anos depois, ouvimos dizer, ‘fino como o Alho’ ou ‘fino como um alho’.
O motivo da viagem era negociar com Eduardo III um acordo que pode considerar-se como o primeiro havido entre Portugal e a Inglaterra. Uma das trocas que resultou desse entendimento e de que temos notícia verificou-se nesse mesmo ano e referia-se à importação de bacalhau contra o envio de vinho verde expedido de Viana do Castelo. A invenção viking entrava assim, provavelmente pela primeira vez, no nosso país. No entanto, foi inicialmente comida de pobres, embarcadiços e outra gente de poucos haveres e só a partir de 1700, como veremos, se viria a tornar num dos petiscos mais apetecidos da nossa gente. Quase nos apetece dizer que o alho e o bacalhau ficaram ligados desde o início da sua aventura em terras de Portugal e que, amigos fiéis, ficaram à espera da chegada dos precisos no bojo das caravelas para constituírem um dos mais emblemáticos pratos nacionais.”