quinta-feira, julho 23, 2009

o meu cão é o meu melhor amigo

O meu cão é o meu melhor amigo. Concluir isto pode parecer simples idiossincrasia de misantropo empedernido, de um cínico a quem a vida ensinou a desmerecer as virtudes humanas e a desconsiderar as motivações aparentemente altruístas que dissimulam os autênticos interesses pessoais que nos movem a todos. Mas nada disso é verdade. Sou uma pessoa social, afável e gosto verdadeiramente de algumas pessoas. Todavia, o género humano, considerado em abstracto, não me comove nem me desperta sentimentos de enaltecimento desmedido ou de repulsa desbragada. Assim como a espécie canina. que me perdoem a sinceridade, mas não consigo ser hipócrita. Por isso sou incapaz de dar um chavo que seja para a liga de combate ao cancro ou para a liga protectora dos animais. E não peço perdão por isso, nem sequer lastimo ou choro a dor longínqua dos seres alheios que os meus sentidos não tocam. Pela mesmíssima razão, fui ao canil municipal adoptar um cachorro condenado no corredor da morte. É esse cão que amanhã, dois anos e meio depois, vou entregar ao canil para uma estadia de cinco dias. Já hoje sofro a desventura do bicho. E a minha também. Cinco dias e cinco noites de dor diferente e incomensurável, mas recíproca. Por antecipação, já rejubilo com a alegria e a loucura do reencontro. Por causa de tudo isso, concluo dogmaticamente: o meu cão é o meu melhor amigo.

domingo, julho 12, 2009

mundo estranho e estranhos dias

Que mundo é este que habitamos? Que época é esta que nos coube viver? Mundo estranho em que nos são mais familiares os gadgets tecnológicos e as personagens virtuais que nos visitam pela janela da TV – à hora dos cansaços e da idiotia convencionais – do que o vizinho do lado que soçobra sem inquietações metafísicas. Mundo e época de democracia que se torna cada vez mais uma promessa eternamente adiada de substantivas igualdades, ao mesmo tempo que se entronizam as formas juvenis de adónis e de lotitas e os celebram no altar do hedonismo consumista. Estranhos dias e inverosímeis horas em que o egoísmo se faz imperativo ético, proclamado pelo catecismo do pensamento único e sustentado pelo argumento da inevitabilidade. Tempos sombrios de homens e mulheres em esquizofrénica “competição darwiniana”, no dizer do escritor israrelita Amos Oz, “um mundo darwiniano levado ao extremo em que se trabalha no duro como nunca, apenas para ganhar mais dinheiro do que realmente não precisam, para comprar objectos que nem sequer desejam e impressionar pessoas de quem não gostam verdadeiramente (…).”