quinta-feira, março 26, 2009

Aldo Naouri revisitado

Depois da entrevista a Aldo Naouri publicada na Visão da semana passada, no Público de 25 de Março surgiu outra. No essencial, o conteúdo da última pouco ou nada difere da primeira. O autor de mais de uma dezena de livros sobre educação e com uma longa experiência de pediatria, apenas reafirma o que antes já dissera: que a palavra “não” deve fazer parte do léxico dos pais, que estes devem ser pródigos no exercício da autoridade, que é importante “reprimir as pulsões das crianças”, que seduzir não é sinónimo de educar, etc. Na segunda entrevista o pediatra é no entanto mais explícito e contundente. O que nem sempre agrada. Como se diz na gíria – “não se pode agradar a gregos e a troianos”. O seu pensamento torna-se mais explícito ao distinguir “explicar” de “justificar”, afirmando porém que a demarcação entre ambas é “ténue”, razão pela qual defende que a maioria das vezes não devem os pais nem sequer explicar as suas decisões, mesmo que erradas. Defende também, por consequência, que as relações pais-filhos devem permanecer sempre num registo de verticalidade e que o modelo democrático em educação produz tiranos e mentalidades fascistas, devendo por isso ser substituído por um modelo autoritário (não forçosamente ditatorial).
A contundência das suas palavras pode provocar em alguns de nós, pais e mães, um efeito de choque, o que conduz bastas vezes à rejeição pura e simples. Afirmar que não existem excelentes pais, que todos têm defeitos, pode parecer um truísmo. Mas na realidade é duro e exige poder de encaixe. Quantos de nós estamos preparados para questionarmos as nossas certezas ou convicções, os nossos preconceitos ilustrados? Quais ousarão ter a coragem de experimentar ser pais e não apenas comparsas do lúdico ou companheiros da aventura? É verdade que os filhos não trazem à nascença livros de instruções. Mas também não se podem confundir com objectos à venda no hipermercado da “sociedade da abundância” ou à mercê do consumo compulsivo, nem vêm acompanhados de recibo de devolução no caso de insatisfação do cliente.
Cada dia que passa são mais frequentes os testemunhos de pais e mães esgotados, desesperados, que já não acham solução para o problema em que se transformou o sonho de um dia ter filhos. No rosto adivinha-se a desilusão, a dor, o tormento, antecipando a confidência de quem já desistiu – “não sei o que mais posso fazer!” – ou a terrível interrogação – “onde errei eu?” O caminho para a resolução do problema que educar pode constituir, crónico ou agudo que seja, passa necessariamente pela disponibilidade para reflectir. Aldo Naouri deixa-nos algumas palavras que merecem reflexão: “Os bons pais são aqueles que permitem à criança poder desejar. (…) os maus são os que acham que a criança tem direito a tudo.”

quinta-feira, março 19, 2009

educar é um dever e não uma estratégia de sedução

Aldo Naouri é pediatra e autor de um livro – “Educar os Filhos” (Livros d’Hoje) – que certamente irei ler pela Páscoa. Nascido na Líbia, onde viveu até aos 19 anos, e desde então radicado em França, o escritor deu uma interessante entrevista que saiu na Visão 837. Se o livro vier a confirmar o teor daquela, será dinheiro bem gasto.
A publicação do livro de Aldo Naouri segue as pisadas de um outro best-seller – “O Pequeno Ditador” do espanhol Javier Urra, publicado pela Esfera dos Livros em 2007. O que pode isto significar? Muitas coisas, evidentemente. Reduzamo-las a duas apenas. Em primeiro lugar, algo de factual: a existência de mercado. A crescente procura anda a par com multiplicação da oferta. Em segundo lugar, algo de sintomático: a existência de fenómenos persistentes de disfunção educativa que atravessam o tecido das sociedades democráticas e lhes devolve a imagem do seu autêntico alter ego que se chama crise.
Na entrevista, o pediatra produz algumas afirmações que esclarecem os dois significados apontados. Começa por referir o número crescente de pais que procuram ajuda “para lidar com o comportamento dos seus filhos”, a par da “multiplicação considerável de educadores de toda a espécie”. Educar tornou-se hoje uma tarefa cada vez mais difícil e complexa, cuja consequência se traduz no aparecimento de crianças ditas problemáticas e na delegação de competências a especialistas. Vivemos tempos de crepúsculo educativo. Os pais, descrentes nas suas próprias capacidades, entregam o dever de educar às instituições que não foram criadas para o efeito. Pior a emenda que o soneto, pois ninguém os pode substituir, nem é desejável que o façam. O erro está no diagnóstico. As crianças não são problemáticas, mas antes mal-educadas ou deseducadas. A mensagem que os pais passam aos seus filhos, ainda que involuntariamente, resulta de ignorarem uma evidência: nem tudo é permitido. (Platão ensinava, há 25 séculos, que todo o mal é fruto da ignorância e, portanto, involuntário) Ora, frequentemente, “a mensagem que a criança apreende é que tudo é permitido”. Como Dostoiesvski demonstrou, nos Irmãos Karamazov, a ideia de que tudo é permitido, está associada à erosão da autoridade e à emergência do niilismo. Os pais, ao encararem a tarefa de educar como uma quase impossibilidade e ao se demitirem desse dever, estão a contribuir decisivamente para o clima de niilismo e de crise educativa que se alastra como fogo em seara enxuta. E tudo isto porque o paradigma educativo se alterou. A modernidade, no seu desenvolvimento democrático, impôs-nos a todos a ideia de que a criança é um sujeito de direitos sem deveres, que deve ser objecto de atenção incondicional, um ser de impulsos e caprichos que merecem ser satisfeitos no imediato, a quem um “não” deve ser sugerido com eufemismos e parcimónia. Sem uma autoridade que balize e refreie os seus impulsos, os pais entregam as crianças “à tirania das suas pulsões”, transformando-as assim em pequenos tiranos em potência, cujas vítimas são em primeiro lugar os elementos da família. Uma nota importante porque significativa: “53% das decisões de compra na família – e estes são apenas números franceses, apontados pelos publicitários – são influenciados pelas crianças”.
Entendendo a crise da educação como uma consequência da ruína da autoridade dos pais, Aldo Naouri põe o dedo na ferida ao afirmar que os pais substituem o dever de educar por estratégias de sedução que, a médio e a longo prazo se traduz na multiplicação de comportamentos selváticos característicos de déspotas que não enxergam um palmo à frente do seu umbigo. Haverá soluções? Sem dúvida. O medo de educar autenticamente deve ser substituído pela responsabilidade de se assumir como prioridade absoluta em relação às crianças. As crianças devem aprender a desejar duas coisas: “agradar aos pais e ganhar-lhes o respeito”. “Para ajudar a resolver os problemas, o que proponho aos pais é uma receita simples: substituir o slogan “a criança primeiro”, por “o casal primeiro. E a vida ficará muito mais fácil.” Para todos, acrescento. Como diria Sherlock Holmes – “elementar meu caro…” A evidência decorre do facto de não haver criança sem família ou, dito de outro modo, são os pais que geram (e educam) os filhos e não estes que geram aqueles.

quinta-feira, março 12, 2009

filosofia bem humorada

“Platão e um ornitorrinco entram num bar…” é o título de um livro de filosofia, encarada de um ponto de vista solto e despreocupado, como é apanágio dos livros de humor. O subtítulo – Filosofia com humor – apenas explicita o que o título já indicia. Publicado pela Dom Quixote em Agosto de 2008, numa época em que aquilo que normalmente é grave e sisudo se vê desvalorizado ou apenas suportado à distância, trata-se de um livro que convive com a boa disposição e que convida ao riso e ao esquecimento. Os autores – Thomas Cathcart e Daniel Klein –, ambos americanos, abordam os grandes temas da Filosofia, desde a Metafísica, à Filosofia da Linguagem, passando pela Lógica, Epistemologia e a Ética, etc., abordam-nos sem uma evidente preocupação académica mas com o cuidado necessário (e o rigor possível) para não deseducar os mais leigos no assunto e não defraudar os especialistas mais exigentes. O cuidado constata-se no quadro em que se apresentam os momentos mais significativos da história da filosofia e no glossário, que encerram o livro. Gostei particularmente do tratamento anedótico das falácias, inseridas no capítulo da Lógica.
Não resisti a transcrever duas piadas que tiveram o condão de me fazer soltar a gargalhada espontânea. Em tempos de crise, não conheço melhor terapia.

Moisés desce o monte Sinai com as Tábuas da Lei na mão e anuncia às multidões reunidas:
– Tenho uma boa notícia e uma má notícia. A boa notícia é que consegui convencê-Lo a reduzir para dez. A má notícia é que o “adultério” não foi exlcuído.

Era Outono e os índios da reserva perguntaram ao novo chefe se o Inverno ia ser frio. Educado segundo o estilo do mundo moderno, o chefe nunca tinha aprendido os antigos segredos e não fazia ideia se o Inverno seria frio ou ameno. Para jogar pelo seguro, aconselhou a tribo a apanhar lenha e preparar-se para um Inverno frio. Alguns dias mais tarde, lembrou-se de telefonar para o Serviço Nacional de Metereologia e perguntar se previam um Inverno frio. O metereologista replicou que, de facto, pensava que o Inverno seria bastante frio. O chefe aconselhou a tribo a armazenar ainda mais lenha.
Duas semanas mais tarde, o chefe ligou de novo para o Serviço de Metereologia.
– Continuam convencidos de que o Inverno vai ser frio? – perguntou.
– Continuamos – respondeu o metereologista. – Tudo indica que vai ser um Inverno muito frio.
O chefe aconselhou a tribo a apanhar toda a lenha que conseguissem encontrar.
Passadas duas semanas, o chefe telefonou uma vez mais para o Serviço de Metereologia e perguntou como pensavam que o Inverno seria naquele momento.
– Agora, estamos a prever que será um dos Invernos mais frios de que há registo! – informou o metereologista.
– A sério? – perguntou o chefe. – Como é que podem ter tanta certeza?– Os Índios andam a apanhar lenha como loucos! – replicou o meterelogista.

segunda-feira, março 09, 2009

Do Magalhães e da pornografia mental

Da última vez que ouvimos falar do Magalhães foi há pouco mais de quinze dias, em vésperas do Carnaval. Aconteceu em Torres Vedras, cidade de tradições carnavalescas. Fiéis à máxima latina “ridendo castigat mores”, as gentes da terra são danadas para a brincadeira. Foi daí que surgiu a sátira do Magalhães pornográfico (ou melhor dito, entendido como tal). Alguém não gostou da brincadeira e apresentou queixa a quem de direito. Um magistrado, investido do papel de guardião da moralidade pública, decidiu usar da autoridade e censurar a ousadia, repondo desse modo a decência. O assunto torna-se público, mediatiza-se. Enquanto o diabo esfrega um olho, perde-se a vergonha e dá-se o dito pelo não dito. O caso morre pela permissão da licenciosidade e pela reposição da liberdade do Carnaval.
O Magalhães volta a dar que falar. Agora pelos piores motivos, porque a coisa é séria e o Carnaval já lá vai. Os erros do Magalhães, essa ferramenta didáctica que este Governo não se tem cansado de enaltecer e propagandear, afirmando-a como a cura de todas as maleitas da educação e como um milagre pedagógico, são a pior de todas as pornografias. Simplesmente por ser da ordem da prostituição mental. O rei vai nu, exibindo as suas partes impudicas à mente das criancinhas indefesas. Agora que já não há vergonha a perder, façam o favor de ter vergonha.

quinta-feira, março 05, 2009

a crise também será...canina

A crise é profunda e está para durar. O que se pretende dizer com isto? Que a dimensão da crise atinge múltiplos sectores da vida económica institucional e familiar, pública e privada, colectiva e individual; que é internacional; e que provavelmente se estenderá para lá dos próximos dois ou três anos. O enunciado, como todos os que se referem a factos intra-mundanos, pode vir a revelar-se verdadeiro ou falso. O futuro o dirá. Quer se venha ou não a confirmar, cada dia que passa corrobora a sua veracidade. A banca socorre-se do aval do estado, faz empréstimos, revela dificuldades. As empresas reclamam ajuda, declaram falência, despedem trabalhadores. O desemprego real cresce a olhos vistos, desmentindo os números institucionalmente cozinhados. O cidadão comum olha o horizonte e recusa-se a acreditar que a esperança num porvir melhor não passou de uma ilusão que o passado lhe vendeu caro. E à semelhança das pessoas mais idosas, na sua maioria, está cada vez mais convencido que o melhor da sua vida se encontra algures no passado. O número de pedintes aumenta todos os dias, e a pobreza envergonhada já não tem mais com que esconder o que revelar não queria. Aumenta também o número dos cães abandonados. Quando a crise mostrar o seu rosto mais duro, lá mais para o Verão, os cães ao abandono formarão pequenas matilhas esfaimadas. Será apenas mais uma das faces da crise. Afinal crise também será… canina.

quarta-feira, março 04, 2009

um partido político ou uma seita religiosa?

O Congresso Socialista que ocupou mediaticamente a vida dos portugueses no fim-de-semana último traduziu-se num fenómeno medíocre do ponto de vista político. O vazio de ideias e a ausência de debate, de confronto argumentativo, marcaram indiscutivelmente o encontro dos socialistas em Espinho. O que mais impressionou, para além de todo o aparato cénico concebido em formato obamista, onde predominou a tonalidade azul insinuando um mar imenso de tranquilidade, foi a onda de unanimidade que se congregou em torno da figura do líder. Em nenhum momento se sentiu um acorde mínimo de discordância. Nenhuma vibração de antagonismo pairou nessa ambiência seráfica, propícia ao entoar de cânticos e loas às virtudes inquestionáveis do candidato a futuro Grande Irmão. O primeiro momento serviu para exorcizar as potências maléficas da campanha negra. Ungido o redentor da confraria dos irmãos, seguiu-se uma explosão de sucessivas emanações da divindade, deixando em êxtase a totalidade dos fieis. Ao correr do tempo, aqui e ali, ouviu-se alguém vociferar impropérios ao maligno. Dos anjos caídos ausentes, nem uma palavra. Calaram-se os seus nomes não para os esquecer, mas para que não se contaminassem os átomos dessa atmosfera impoluta. No final, o líder supremo pronunciou um nome… nasceu um apóstolo mais para espalhar a palavra do Senhor.

domingo, março 01, 2009

"Não me fodam o juízo!"




“Não me f**** o juízo” é o título de um pequeno livro (94 páginas) publicado, pela editora Bizâncio, no mês de Fevereiro último. Da autoria de Colin McCinn, o mesmo que escreveu “Como se faz um filósofo”, que a referida editora publicou em 2007, o livro aborda o tema da manipulação mental, conforme testemunha o subtítulo “Crítica da manipulação mental”.
O filósofo inglês, actualmente a leccionar na Universidade de Miami, escreve sobre filosofia com a naturalidade de quem respira, dando assim continuidade a uma tradição que teve o seu momento inaugural com os diálogos socráticos de Platão. Essa é a sua principal virtude, a de tornar a filosofia um assunto acessível ao comum dos mortais.
De leitura fácil e rápida (duas horas bastam), o livro principia com um exame do conceito de “foder o juízo” ou “psicofoda”. No primeiro capítulo, Colin McCinn procura determinar o conceito, destacando por um lado a sua proximidade semântica com as noções de “logro”, “manipulação” ou “lavagem ao cérebro”, e por outro lado, realça a analogia corpo-mente que o constitui: “Foder fisicamente uma pessoa é sem dúvida ‘lixá-la’ de alguma maneira e a ‘manipulação’ está aí claramente pressuposta. Analogamente, foder o juízo a alguém é lixar o juízo a essa pessoa, de um modo comparável: é um género de interferência, intervenção ou invasão” (p.21). Esta analogia conduz-nos a uma “dualidade de sentido” que o conceito necessariamente em si transporta, pois a foda pode ser boa ou má, consoante seja desejada e voluntária ou indesejada e involuntária, como é o caso da violação. Como não podia deixar de ser, o autor analisa sobretudo o conceito na sua faceta negativa, sem contudo deixar de referir o seu lado positivo enquanto “experiência reveladora” produzida pela leitura de um livro, por um filme que se viu ou por uma conversa que se entabulou, susceptíveis mudar inteiramente a nossa visão do mundo. A experiência do filosofar, na sua mais nua autenticidade, é um caso típico deste género de psicofoda: “Talvez uma grande parte da atracção que a Filosofia exerce esteja nesta forma benigna de foder o juízo: o arrebatamento intelectual que provoca. A Filosofia trata de revelações grandiosas, sublevações profundas, e isto tende a fazer a mente sentir-se completamente abalada e traumatizada.” (pp.83-84)
Os aspectos mais interessantes do livro prendem-se com a análise da manipulação mental que o percorre. Dando sobretudo realce ao “tipo negativo” de foder o juízo, McCinn atribui aos sofistas a invenção da arte da psicofoda. São eles que elevam a argumentação à condição de arte, usando-a não como instrumento de persuasão racional em busca da verdade, mas antes como técnica retórica de sedução ao serviço do poder. São sobretudo artistas da dissimulação, uma vez que “davam a entender que usavam a persuasão racional (como não, se queriam convencer?) mas na realidade davam apenas a volta às pessoas e fodiam-lhes o juízo. Foram os primeiros peritos na ‘arte de foder o juízo.’” (p.33)
Uma distinção impõe-se para compreender os diferentes matizes da psicofoda. Ela pode assumir duas formas: a pessoal e a colectiva. A primeira é exemplificada pelo “Otelo” de Shakespeare. A segunda, do género institucional, pode ser ilustrada pela religião, pela política ou pela publicidade, nas quais se “denotam fenómenos relacionados” com a “doutrinação”, a “lavagem ao cérebro” e a “propaganda”. A forma mais eficaz de a combater consiste no esforço de esclarecimento, na busca de conhecimento e de informação. No fundo, ainda que o autor não o afirme, o antídoto para combater o veneno tem um nome: liberdade. Só o amor pela liberdade ou o desejo de autonomia nos tornam aptos para um combate difícil, quotidiano e sem tréguas contra o inimigo de mil rostos. O autor, numa página em que remete para o 1984 de George Orwell, afirma: “Assim que uma pessoa começa a suspeitar de que lhe foderam o juízo, contudo, perde-se o poder, porque o logro inerente foi desmascarado. A psicofoda colectiva exige o isolamento informativo, de modo a que nada possa surgir que refute o sistema de crenças falsas impingido às vítimas; é por isso que as nações e seitas que dela dependem são sempre sociedades fechadas. A essência de uma sociedade aberta é o livre afluxo de informação. A psicofoda política esmorece sob o brilho intenso da abertura informativa, porque o conhecimento frustra a manipulação.” (p. 68)
Nos tempos que correm, em que muitos confundem a quantidade de informação com liberdade, a leitura deste pequeno livro pode ser uma experiência gratificante, um exemplo de psicofoda positiva.

o reino do deserto absoluto

O XVI Congresso do partido socialista acabou. É tempo de fazer o balanço. Quais foram as ideias e os projectos que dali resultaram? O que se debateu? Que linha de rumo foi apontada? Para além do “show off” e do “fait divers” mediáticos (sem dúvida o congresso mais mediatizado de que há memória) pouco mais há a salientar de politicamente relevante. De sexta-feira a domingo, contam-se pelos dedos das mãos os acontecimentos dignos de registo. Talvez o mais significativo se prenda com as ausências de Manuel Alegre e de João Cravinho (ausências eloquentes) e o anúncio de Vital Moreira como cabeça de lista para as eleições europeias (aceno ao eleitorado de esquerda). No resto, imperou a previsibilidade: a teoria da campanha negra, a aclamação subserviente do líder, os discursos da concórdia. O único imprevisto foi o apagão de sábado à noite, talvez a metáfora perfeita do enorme apagão de ideias e do deserto que se estende cada vez mais no reino em que José Sócrates se transforma em soberano absoluto.