terça-feira, janeiro 27, 2009

entre as brumas da memória

De um primeiro-ministro espera-se não só que governe bem, com justiça e eficácia, mas também que seja um indivíduo moralmente íntegro. A uma figura pública desta envergadura exige-se, acima de tudo, que evidencie virtudes políticas e éticas irrepreensíveis, não se lhe perdoando quaisquer manifestações de fraqueza de carácter, quer se trate de pecadilhos de corruptela ou de alcova.
O recente caso do Freeport é apenas mais um a somar aos casos da licenciatura e dos projectos de arquitectura da Câmara da Covilhã. São casos a mais para um homem só, sobretudo quando esse homem ocupa o lugar mais proeminente da política portuguesa. Em todos eles, o carácter de José Sócrates saiu ou sairá beliscado, e a sua imagem tremida. Por mais que reclame inocência, que se diga vítima de uma cabala, ou que nos assegure que vai lutar pela sua honra e bom nome, a credibilidade do primeiro-ministro não vai escapar à erosão da desconfiança e da má-fé. E um político, qualquer que seja, precisa de credibilidade como pão para a boca.No futuro, quando José Sócrates fizer parte da história política portuguesa, estes casos serão porventura esquecidos, permanecendo deles apenas uma vaga lembrança entre as brumas da memória. O que ficará registado é o seu carácter, a sua obra e a sua credibilidade, onde aparecerão, transfigurados, os danos colaterais que estes casos provocaram.

quarta-feira, janeiro 14, 2009

o povo é manso mas não parvo

Ao parar hoje o meu automóvel numa bomba de combustível da Cepsa, pasmei. Nem queria acreditar. O preço da gasolina tinha subido em relação aos valores que, há três dias atrás, eu próprio tinha verificado. Ainda pensei tratar-se de uma ilusão de óptica ou de um qualquer fenómeno de perturbação da retina. Mas rapidamente constatei que não, a realidade nua e crua estava ali mesmo, inalterável, deitando por terra o meu cepticismo momentâneo.
Há uns meses, quando o barril do crude iniciava a sua tendência de descida nos mercados internacionais e os cidadãos mostravam a sua estranheza pelo facto das gasolineiras não acompanharem a mesma tendência de baixa de preços, nessa ocasião, os argumentos apresentados, apesar de não convencerem de todo, faziam sentido, pelo menos em termos teóricos. Dizia-se que tal se explicava por uma razão simples e objectiva: o combustível comerciado nos dias correntes correspondia às reservas compradas dois meses antes, precisamente quando o crude atingia uns dos seus picos mais elevados, para além do euro se ter valorizado em comparação com o dólar.
Entretanto o preço do crude, nos mercados internacionais, foi baixando progressivamente. Desceu mesmo abaixo de todas as expectativas, contrariando as previsões dos economistas mais ousadamente optimistas. Novos protestos. Falou-se de cartelismo, de desbragada roubalheira, de especulação financeira, da prevalência dos interesses da alta finança face aos interesses do cidadão comum. O diabo a sete. Os mesmos argumentos foram apresentados. O povo, uma vez mais, desconfiou. Mas calou e engoliu o engulho. Talvez as razões macroeconómicas sejam coisa transcendente e, à semelhança do mistério da trindade divina, não caibam no entendimento das contas e do arrazoado comum.
No entanto, o impensável aconteceu. Uma semana depois do mesmo crude ter subido de preço, uma vez mais no mercado internacional, os combustíveis desatam a subir para o consumidor. E quais são as razões? A subida do preço do “brend” nos mercados internacionais e a desvalorização do euro face ao dólar. Esqueceram-se de um pormenor – o das reservas e da história daquilo que se vende hoje corresponder ao que se comprou, mais dia menos dia, há dois meses atrás. Mas então que merda é esta? Por mais voltas que dêem, por mais transcendentes que sejam os negócios e os assuntos da economia, uma coisa é certa – a razão continua a ser a mesma e não admite contradições. Estes tipos pensam que o povo, para além de manso, é parvo.
Um dias destes o povo vai-se cansar de ser sempre o bombo em que os altos interesses económicos batem para fazer despudoradamente a sua festa. E depois iremos ver a força da razão que já não suporta mais ser achincalhada.

quinta-feira, janeiro 08, 2009

ano velho, ano novo

O ano de 2008 já lá vai. Pertence em definitivo à história, ainda que recente. Dos acontecimentos que mais marcaram o ano passado, os de maior impacto, infelizmente, não são de bom augúrio para o presente ano, deixando a pairar sobre a cabeça dos portugueses o espectro de um novo ano dramático – um “annus horribilis”. Densas nuvens negras acastelam-se agora no horizonte imediato, como prenúncio de tempestade iminente e inevitável. Os contornos da tempestade são previsíveis, mas não a sua intensidade e duração. Iremos assistir certamente ao crescimento do desemprego, à contracção do consumo, a uma soma de dificuldades económicas que afectarão a vida quer de empresas quer de indivíduos. Aquilo que já há alguns meses alguns economistas e demais especialistas em finanças prognosticavam como certo – escrevendo a crónica de uma crise anunciada -, o governo teimava em calar. As palavras crise e recessão não constavam do léxico governativo. Portugal parecia imune à epidemia que se alastrava dos Estados Unidos à Europa. Entretanto, as evidências da crise internacional iam-se somando ao ritmo dos dias que se subtraíam no calendário de 2008. Com este avolumar de evidências, negá-las tornou-se um exercício não só impossível do ponto de vista argumentativo, mas sobretudo perigoso do ponto de vista da credibilidade política. Foram anunciadas medidas de apoio aos bancos que manifestaram dificuldades de liquidez financeira, em nome do interesse público. O dinheiro que o governo sempre afirmou escasso, em período de contenção orçamental e de consolidação do défice, passou, de um momento para o outro, a jorrar aos milhões. O ano de 2008 aproximava-se do fim, numa vertigem avassaladora. O cenário de uma recessão técnica parecia cada vez mais uma realidade indesmentível. O governo desmentia, recorrendo a uma retórica indecorosa. Empresas reclamavam ajuda do governo para obviar ao imperativo da sua própria governabilidade. A crónica da crise anunciada passava do romance à vida real. O primeiro-ministro, no seu discurso natalício, disse aos portugueses que os esperavam tempos difíceis. Nem metáfora do “cabo das tormentas” faltou. A navegação passou a fazer-se à vista. O ano velho deu lugar ao ano novo – mais uma dobragem. O presidente da República confirmou, no seu discurso de final de ano, a tempestade que se avizinha. Carregou com tintas negras o horizonte. Nenhuma bonança à vista. Apelou à coragem, à união de esforços, ao trabalho conjunto e persistente. E disse que era preciso falar verdade. Entrámos em 2009, o ano de todas as eleições, com esta mensagem – a verdade e a política têm de dar as mãos, formar se não um par harmonioso, imagem de enamoramento mútuo, pelo menos o compromisso de um casamento de conveniência. Só assim o peso de um ano grave se tornará mais ligeiro, passando mais depressa.