quinta-feira, outubro 30, 2008

a educação, o insólito e o milagre

Os resultados dos exames nacionais do 9º ano e do ensino secundário já foram tornados públicos. Rankings à parte (não interessam nem ao menino Jesus), a análise comparativa dos resultados de 2007 e de 2008 é, só por si, interessante, dando lugar às mais díspares interpretações ou leituras desencontradas.
No ensino básico, os resultados a Matemática deste ano apontam para números verdadeiramente espantosos, se comparados aos números do ano passado. De duas centenas de escolas com média positiva, passou-se, em apenas doze meses, para mais de mil. Se lhe juntarmos o Português, a outra das disciplinas sujeitas a exame nacional, os resultados continuam a impressionar: os 66 por cento de classificações positivas transformaram-se em 97 por cento, isto considerando o mesmo hiato temporal.
O ensino secundário afina pelo mesmo diapasão. A matemática, tradicionalmente designada como o papão dos alunos, no ano corrente fez de pai natal em pleno Verão, tal foi a inflação de prendas distribuídas a torto e a direito por cábulas e marrões. Considerando um conjunto de disciplinas representativas, os resultados melhoraram de 62 para 87 por cento de aproveitamento. Insólito é a única palavra que me ocorre como comentário. Inúmeros professores preferem outra designação: facilitismo. Os responsáveis do ministério da educação são mais prolixos na interpretação, insistindo na tese do esforço e empenho quer professores quer de alunos. O problema é que esta tese dificilmente tem crédito, por falta de argumentos sólidos que a sustentem. Uma questão incontornável impõe-se: em matéria de educação, em que são necessárias décadas para que as reformas, boas ou más, produzam resultados, que significado terão os números divulgados?
Quase em simultâneo, o Conselho Nacional da Educação aconselha a abolição das reprovações para os alunos até aos 12 anos, argumentando que a medida contribuiria para aumentar a auto-estima dos estudantes, a diminuição dos traumas causados pelo insucesso e, consequentemente, para a melhoria das aprendizagens. Seguindo a mesma linha de raciocínio, por que razão se hão-se avaliar escolas e professores? Qual a consistência de tudo isto? Entretanto os professores manifestam o seu repúdio por um sistema de avaliação kafkiano, injusto e de efeitos dramaticamente previsíveis para a educação real. Assiste-se à debandada de muitos professores, preferindo a reforma antecipada penalizadora, em termos económicos, à expectativa de um quotidiano que se assemelha a um manicómio burocratizado e humanamente indigno. Os outros vão resistindo conforme podem, rezando porventura para que um acontecimento insólito, um milagre, lhes devolva a esperança e a alegria que o ensinar pressupõe.

quarta-feira, outubro 22, 2008

ministra sinistra

No passado dia 16 de Outubro saiu na Visão uma entrevista de Maria de Lurdes Rodrigues, ministra da educação, ao jornalista Paulo Chitas. O mínimo que se pode dizer, em comentário, é que se trata de mais do mesmo. O máximo, é que a senhora pronuncia um chorrilho de palavras ocas e de aleivosias indignas do lugar que ocupa.
Destaco apenas dois momentos da entrevista:
À pergunta do jornalista “acha normal que uma criança de 14 anos tenha este (36 horas lectivas semanais) horário escolar?”, Maria de Lurdes Rodrigues responde com outra pergunta “e o que é que retirava? (…) qual é a alternativa?” E justifica com a ideia da escola a tempo inteiro, etc., etc. Vale a pena ler na íntegra para percebermos o quanto as medidas tecnocráticas se sobrepõem à reflexão ponderada acerca da natureza das crianças e dos fins da educação.
Conheço um adolescente de 14 anos, que estuda na Escola Secundária de Palmela. Tem 36 horas lectivas semanais: aulas de Ciências da Natureza, Físico-Química, Educação Física, Educação Visual, Francês, Inglês, Geografia e História, Língua Portuguesa, Matemática, Expressão Plástica, Área de Projecto, Estudo Acompanhado e Formação Cívica e Introdução às Tecnologias de Informação e Comunicação. Tem aulas todos os dias das 8 às 18 horas, excepto durante duas manhãs. Acha normal que uma criança de 14 anos tenha este horário escolar?
E o que é que retirava?
Não sei. A senhora é que é a ministra da Educação.
Mas o que é que retirava? Retira o Inglês ou as línguas estrangeiras? A Matemática? O Português?
Para não iludirmos a pergunta, o que pretendo saber é se acha adequada esta carga horária para uma criança de 14 anos.
Mas qual é a alternativa? Quais são as práticas internacionais? É retirar? É encolher a escola? E o que é que resta aos alunos se se encolher a escola? Não é dramático que os alunos não tenham música ou desporto na escola, se os pais lhes puderem proporcionar essa formação.
É essa a prática internacional?
Portugal não faz coisas muito diferentes do que fazem os outros países. E, depois, a questão é sempre a mesma: o que é que se retira? Estão preparados estudos para se fazer uma revisão do ensino básico, à semelhança do ajustamento que se fez no secundário. No básico, nós não fizemos nenhuma alteração de fundo, digamos assim, mas há vários problemas com a reforma do básico, como a transição entre o 1.º e 2.º ciclos, que melhorámos muito, ao ter introduzido o Inglês, a Educação Física e a Música no 1.º ciclo. Já diversificámos o contacto dos alunos com os adultos e, portanto, a transição é menos brusca. Agora precisamos de fazer o contrário, que é reduzir o leque de... A reforma já previa que, por exemplo, a Matemática e as Ciências pudessem ser dadas por um único professor. Mas há outros problemas, que resultam da maneira como as coisas se concretizam a nível da escola, no quadro da sua autonomia.
Mantenho o essencial: estamos a falar de um horário de trabalho de adulto.
Ouça. Qual é a alternativa?
Brincar. Ir correr para a rua, com os amigos, ter outro género de actividades...
Esta história do tempo para brincar é uma história nova, que surge agora com a escola a tempo inteiro. É uma espécie de resposta à escola a tempo inteiro. O ministério criou as actividades do 1.º ciclo, que respondem a várias necessidades das famílias e das crianças, criou a escola a tempo inteiro e as crianças, de facto, estão lá a tempo inteiro. Ou melhor, a escola tem de funcionar a tempo inteiro, se as crianças lá estão ou não é uma opção das famílias. Mas, repare, como é que era no passado? No passado era uma escola pública reduzida a mínimos absolutamente intoleráveis, uma escola que funcionava das nove à uma. Em que se dava às crianças o mínimo. Mas o País pode dar mais, pode dar Inglês às crianças do 1.º ciclo, dar-lhes Educação Física, Música. O que acontecia às crianças que estavam nessa escola pública de manhã? À tarde tinham a privada, tinham os ATL. Mas eram só para as famílias que podiam pagar, não eram para todas as crianças.
Mas o grau de autonomia de uma criança do 1.º ciclo é diferente do de uma de 14 anos.
Havia uma escola a tempo inteiro para as crianças que podiam pagar. Nunca ouvi uma crítica ao tempo para brincar das crianças cujos pais andam com elas para a escola de música, para o ginásio, para a explicação, para aqui e para ali. São crianças também sobreocupadas, porque os pais procuram dar-lhes o melhor. Olhe para os colégios privados de referência. As crianças estão lá quantas horas? Têm lá a música? Têm. Têm lá o ballet? Têm. Têm lá o Inglês? Têm. Têm lá, às vezes, a segunda língua estrangeira? Têm. Têm tudo dentro da escola. E as crianças estão lá. Não brincam? Brincam. Diz-se, numa atitude romântica, que «não há tempo para as crianças brincarem». Acho que só mentes muito perversas é que podem pensar que o facto de estar na escola corresponde a uma jornada de trabalho. Em Portugal, a maior parte das mulheres trabalham. E precisam absolutamente que a escola seja um espaço seguro e qualificado, ao qual possam confiar as suas crianças.”
Outra pergunta, outra resposta do mesmo género, desta vez não se coibindo de lançar um ataque aos profissionais do ensino, ainda que de forma velada.
"Porque é que há uma corrida dos professores à reforma - 700 só no próximo mês?
O aumento da idade de reforma e a alteração do estatuto de carreira do docente acarretaram, sobretudo para os professores em fim de carreira, uma mudança. Alguns iam à escola quatro horas por semana. Foi preciso dizer aos professores que as outras horas de trabalho, que o País paga, são precisas nas escolas, que os alunos precisam delas. Imagine um professor que ia oito horas à escola e que, de repente, passa a estar lá 25! Pessoas que acumulavam nos colégios privados, deixaram de poder acumular. Isto é dramático? Do ponto de vista do sistema, não é dramático. Hoje, o País tem milhares de jovens diplomados a querer entrar no sistema de ensino."
Neste último excerto, a ministra faz uso do discurso com uma única intenção: manipular a opinião pública, envenená-la, pondo em causa, uma vez mais, a dignidade de uma classe que tinha por obrigação acarinhar. Faz precisamente o que sempre tem feito, desde que tomou posse do cargo que ainda ocupa, mas que em nada a dignifica, nem como ministra nem como pessoa.
Selamos claros. O que ela quer dizer é mais ou menos o seguinte: Os professores, grande parte deles, estavam acostumados a pouco ou nada fazer ao serviço do sistema, usando-o em proveito próprio (acumulações); obrigados, agora, a permanecer mais tempo na escola, abandonam o barco como ratos.
A falsidade do que diz não se detecta a olho nu. Mas basta pensar um poucochinho e não se deixar levar pela propaganda orquestrada, nos últimos anos, com o objectivo de denegrir a imagem dos professores, rotulando-os como um bando de malfeitores que se não querem moldar ao sistema de benfeitorias que pretende ser o ministério da educação actualmente.
Primeira falsidade: os professores em fim de carreira, habituados ao bem-bom que era passar quatro horas na escola, não querem mudar de vida e pedem a reforma. Num instante, passa das quatro para as oito horas (em que ficamos?), reforçando a ideia de que a dificuldade em aceitar a mudança se deve ao facto de, repentinamente, deixarem de poder servir-se das benesses do sistema antigo em benefício próprio.
Segunda falsidade: os professores passam agora 25 horas na sua escola. Vinte e cinco? A senhora ministra pretende lavar o cérebro a quem? Qual é o professor que passa hoje em dia menos de trinta horas semanais no seu estabelecimento de ensino? E as reuniões? E a reunite que começou aguda e se está a transformar em doença crónica? E a burocracia? E os papéis cujo preenchimento obrigatório (e não facultativo) constituem a lógica de um sistema irracional? E as horas que os professores passam em casa a preparar aulas, reuniões, a elaborar e corrigir fichas, testes (diagnósticos, formativos, sumativos, e o mais que imaginar se possa), a magicar estratégias de ensino, a congeminar soluções mágicas para desbloquear carências de motivações profundas (nem que para tal se tenha de mascarar de psicanalista ou padre), a fazer de mãe, pai, padrasto ou avó, num acumular de especializações que ninguém, com o mais pequeno bom senso, considera possível. Isso convém-lhe omitir?
E depois vem a tirada retórica – “acha isto dramático?” Sim, senhora ministra. E o drama está a alastrar de tal modo que não há quem possa aguentar. Por isso pedem a reforma. E muitos mais pediriam se em condições de o fazer estivessem.
Termina a ministra, a quem já chamam sinistra, com uma ameaça: “Hoje, o País tem milhares de jovens diplomados a querer entrar no sistema de ensino”. Por quanto tempo? A tudo isto se chama manipular. Ora, manipular não é sinónimo de convencer. Ao primeiro pertence o discurso que visa mover as pessoas pela emoção, numa manifestação de degeneração ética do emissor e do receptor. Só ao segundo pertence o discurso que visa a elevação da inteligência de quem escuta ou lê, contribuindo para a construção ética de qualquer pessoa.

quinta-feira, outubro 16, 2008

Magalhães do nosso descontentamento

O Magalhães está a dar que falar. Quinhentos anos depois da viagem de circum-navegação, ei-lo que regressa às bocas do mundo. Como o seu homónimo que fez furor pelas auto-estradas oceânicas fora, capitaneando as suas “caravelas quinhentistas”, este – que também garantem ser 100% português – percorre as auto-estradas da informação e é já um dos assuntos de eleição cá no burgo. Nem sempre pelas melhores razões. É a má-língua viperina dos portugueses a destilar o seu mais puro veneno. A coisa começou ainda Agosto não tinha findado. José Sócrates anunciava o Magalhães como se da oitava maravilha se tratasse. Era o sinal mais evidente de que o Portugal da era socrática se tornara um país ultramoderno, modernista, cavalgando a crista da onda em matéria de criação informática. No início de Setembro, membros do governo e do ministério da educação somaram juntos milhares e milhares de quilómetros para distribuir às nossas criancinhas a pérola mais apetecida das tecnologias da informação e da comunicação. E anunciaram que no presente ano lectivo tencionavam entregar quinhentos mil computadores aos alunos a preços que variariam entre o zero e os 50 euros. Entretanto, Hugo Chavez, num dos seus encontros com o nosso primeiro-ministro, comprometeu-se a comprar Magalhães aos milhões. Tudo corria sobre rodas. O Magalhães vivia num mar de rosas. Depois veio o Pacheco Pereira e tudo azedou. Nas suas cinquenta mil palavras escritas diariamente, uma vinte mil soavam a Magalhães. E não era para enaltecer a máquina. Em seguida, o Magalhães apareceu nas rábulas humorísticas dos Contemporâneos e dos Gatos Fedorentos. O gozo foi danado e o povo riu a bandeiras despregadas.
As últimas notícias das aventuras do Magalhães são hilariantes. Não certamente para os incondicionais amantes do humor british, clube de que fazem parte certamente os inenarráveis responsáveis do governo e do ministério da educação. A história conta-se em duas palavras. No You tube apareceram uns vídeos que, supostamente, terão resultado de trabalhos inspirados em acções de formação que alguns professores se viram forçados a frequentar – parece que foram convocados e não convidados. Os referidos vídeos podem ser vistos no You Tube (se entretanto não foram retirados) nas seguintes moradas: http://www.youtube.com/watch?v=9QOtoUeJyRk; http://www.youtube.com/watch?v=98hxq50Bq3o.
A coisa ainda vai dar para o torto.

sexta-feira, outubro 10, 2008

Oportunismo político pune os gays

Hoje aconteceu mais um episódio risível no Parlamento. Em votação estiveram os projectos de lei apresentados pelos Verdes e pelo Bloco de Esquerda sobre o casamento entre homossexuais. Ambos foram chumbados pelos votos contra da maioria dos deputados PS, PSD e pela totalidade dos votos dos deputados do CDS-PP. A votação não surpreende por diversas razões. Vale a pena avaliá-las.Das bancadas parlamentares do PSD e do CDS-PP não se esperava outra coisa, pois faz parte do código genético de ambos os partidos posições conservadoras e retrógradas em matérias que dizem respeito aos direitos e liberdades dos cidadãos, sobretudo quando estão implicados comportamentos que a moral tradicional apelida muitas vezes de bestial e contranatura. Da bancada do PS também já se esperava o resultado, tendo em conta a imposição da disciplina de voto apenas contrariada pelos deputados Pedro Nuno Santos (autorizado a quebrar a imposição) e Manuel Alegre. As previsíveis repercussões eleitoralistas estiveram certamente na origem da votação contra os projectos de lei por parte do PS. Será compreensível se levarmos linha de linha de conta a ainda expectável maioria absoluta socialista nas próximas legislativas. O que não se compreende são as declarações de voto a favor que alguns deputados do PS apresentaram em seu nome, assim como a mesma declaração apresentada pela bancada socialista. As razões apresentadas são ridículas e oportunistas. Ao se afirmarem a favor dos direitos e liberdades dos homossexuais (do seu casamento) e contra a oportunidade da alteração legal, os deputados do PS demonstram que a única lógica que os rege é a lógica do oportunismo político, para além de manifestarem uma inconsistência ética que afronta qualquer sentido da democracia. Punir uma minoria desta maneira, cerceá-la de direitos de cidadania e de liberdade de acção, apresentando argumentos desta natureza, diz bem dos perigos a que uma democracia está exposta quando a vontade de poder se sobrepõe a princípios e regras do jogo democrático saudável. Mesmo minoritários, desejo que os cidadãos portugueses – homossexuais ou não – não se esqueçam, nas próximas legislativas, da afronta que o PS fez à democracia, uma vez mais. Talvez o PS risque de vez a palavra extemporâneo do seu dicionário.

quinta-feira, outubro 09, 2008

a lógicas das declarações do governo

José Sócrates, na sequência de Teixeira dos Santos, garante-nos que as nossas poupanças – o seu depósito bancário – estão asseguradas. Em tempos de incerteza no que ao sistema económico capitalista diz respeito, estas afirmações parecem-me no mínimo duvidosas. E como tal, dão que pensar. O capitalismo, se não está em agonia, parece um “adiado cadáver que procria”, como disse o poeta. Procria acontecimentos em cadeia: as bolsas que caem à razão inversa do quadrado da confiança, a insolvência dos mercados e das instituições financeiras, a falta de liquidez da banca e das pequenas e médias empresas, despedimentos e precariedade laboral, o aumento do crédito mal parado, a subida da inflação e a contenção salarial, o depauperamento da classe média, etc., etc.
No entanto, a mensagem do chefe do executivo como eco da afirmação do ministro das finanças tem, no mínimo, duas leituras possíveis que formam ambas uma proposição disjunta exclusiva: ou "o estado assegura na íntegra todas as poupanças, qualquer que seja o seu montante" ou "o governo garante aquilo que não existe para os portugueses, justamente as poupanças". Ora, em boa lógica, este tipo de disjunção só é verdadeira quando só uma delas é verdadeira. Eu aposto que a primeira é falsa.