terça-feira, abril 22, 2008

Segundo consta, Manuela Ferreira Leite decidiu avançar como candidata à liderança de PSD e, consequentemente, a líder governativa do país, em 2009. É caso para dizer: temos homem! Não pretendo, deste modo, escarnecer a pessoa nem tão pouco apoucar os seus dotes femininos. O que pretendo defender é o seguinte: como política, o seu estilo, a sua postura e o seu perfil são inteiramente masculinos. O que dela se espera é uma política de linha dura, hirta e máscula, um pouco à semelhança, salvaguardadas as devidas diferenças e contextos, de Margaret Thatcher. Neste sentido, a concretizar-se a candidatura e a vitória nas directas do Partido Social Democrata, teremos no futuro um confronto de duas personalidades com algumas semelhanças. A ex-ministra da educação e das finanças e José Sócrates, pelo menos aos olhos da opinião pública, são ambas “personas” crispadas, teimosas e de difícil diálogo. Mas mais do que isso, teremos dois políticos que comungam de uma mesma cartilha ideológica, senão formalmente pelo menos de conteúdo.
Em está em causa, dizem os seus apoiantes, a restauração da credibilidade pública do maior partido de direita. Indiscutível. O discutível é ter a candidata competências suficientes para, por um lado, arregimentar os indispensáveis consensos do seu próprio partido, e, por outro lado, se constituir como uma alternativa viável à política do actual primeiro ministro.
Proponho um exercício de imaginação. Num cenário de condicionais ou de mundos possíveis, suponhamos que Manuela Ferreira Leite vence as legislativas de 2009. O que nos espera? Certamente, mais do mesmo, isto é, um processo de continuidade de receitas neoliberais. Contenção salarial – a repetida exigência do sacríficio em prol da sustentabilidade financeira –, emagrecimento do estado social, flexibilidade das leis laborais, privatização da saúde, desinvestimento na educação, etc. Tudo isto orquestrado sob a égide de uma comunicação social que se limita a fabricar consensos em torno do argumento da inevitabilidade e da via única. Pode ser que me engane...

quarta-feira, abril 16, 2008

a minha pátria é a língua portuguesa

O Acordo Ortográfico está em discussão. O intenso debate de que tem sido objecto revela o óbvio – a existência de um desacordo profundo e insuperável. Não se esperava outra coisa.
Em nome da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), os defensores do acordo exibem argumentos de natureza política. Sustentam que o acordo é bom para difundir no mundo uma língua falada por cerca de 200 milhões de pessoas, para lhe conferir poder na luta pela sobrevivência à escala mundial, para facilitar e potenciar os negócios entre os países que se expressam na língua de Camões, contribuíndo para o enriquecimento destes puxados a reboque por essa potência emergente que dá pelo nome de Brasil. Este argumento é análogo aos que normalmente são utilizados pelos acérrimos adeptos da globalização de cariz neoliberal. A maximização da riqueza e do bem estar materiais justifica a morte dos particularismos e das idiossincrasias obsoletas e terceiro-mundistas. A tónica está no desprezo com que olham para as especificidades locais e culturais, considerando-as como minudências arcaicas que um darwinismo exacerbado não contempla no rol dos organismos mais aptos à sobrevivência. A morte de consoantes intervocálicas é celebrada como um hino ao progresso.
Confesso que me sinto mais próximo dos críticos do acordo, que comungo de grande parte dos argumentos com que justificam a sua tese, mesmo que esses argumentos se reduzam à expressão de um egoísmo pessoal, do género “como é que eu me vou adaptar?”. De resto, tenho horror a palavras como “seção”, “ótimo” e “úmido”. Abomino-as, pronto. Mas sobretudo acho este acordo vai enfraquecer de facto a língua enquanto ser vivo. Não é a biodiversidade desejável do ponto de vista da saúde planetária? Não é a multitude de formas e de espécies que contribui para a riqueza da bioesfera? Não é a diversidade orgânica que possibilita a selecção (nunca hei-de escrever seleção) natural?
“A minha pátria é a língua portuguesa”, afirmou um dia Fernando Pessoa. Quase apostava a vida em como o poeta não pretendia fazer nenhuma afirmação de índole política ou expensionista, mas tão somente afirmar a diferença e o imenso amor por esse organismo que se chama língua lusa.

há ganhar e ganhar, perder e perder

Ontem, ao fim do dia, conheceram-se os resultados. A esmagadora maioria das escolas do país ratificou, em plenário, o “memorando de entendimento” estabelecido entre a Plataforma de Sindicatos de Professores e o Ministério da Educação. Passando por cima da nomenclatura e da hipotética distinção semântica entre entendimento e acordo – que Santana Castilho refere num artigo publicado no Público de hoje -, os sindicatos voltaram a cantar vitória. As perguntas que se impõem são? Em que se traduziu e se traduzirá esta proclamada vitória? Seguramente, em derrota não assumida. O que se ganhou com o entendimento? Ninharias. E por ninharias se canta vitória, que soa a canto do cisne. O que se perdeu? Tudo, ou quase tudo. Perdeu-se a oportunidade de capitalizar a força demonstrada pelos professores, nos idos de Março. Perdeu-se o momento oportuno para reclamar a dignidade profissional longo tempo espezinhada por uma tutela sem escrúpulos. E perdeu-se sobretudo a força necessária para lutar por uma escola mais justa e de melhor qualidade. Os dados estavam lançados. A jogada era de risco, sabia-se. Mas o adversário estava de rastos, sem energia. Cabia aos sindicatos ter a coragem de assumir o risco justificado e de – lendo correctamente a situação política – não se acovardarem, jogarem a cartada decisiva e certa, não cedendo a chantagens e a interesses mesquinhos. Afinal, pouco tinham a perder e muito a ganhar. É por estas e por outras que assistimos à agonia dos sindicatos.
Mais atentemos nas palavras de quem merece ser ouvido (Santana Castilho):

“Comecemos por uma questão semântica: entendimento e acordo são vocábulos sem difeerenças, do ponto de vista da significação, que justifiquem o esforço da Plataforma Sindical para os distinguir. Vão a um bom dicionário. No contexto que "aproximou" sindicatos e ministério, são sinónimos. Mas se essa fosse a questão, então capitular dirimia o conflito. E não estou a ser irónico. Voltem a um bom dicionário.
Posto isto, passemos ao que importa. Ministério e sindicatos acertaram, concertaram sob determinadas condições. No fim, os sindicatos cantaram vitória. Permitam-me que invoque alguns argumentos para desejar que os sindicatos não voltem a ter outra vitória como esta.
A actuação política deste Governo e desta ministra produziu diplomas (estatuto de carreira, avaliação do desempenho, gestão das escolas e estatuto do aluno) que envergonham aquisições civilizacionais mínimas da nossa sociedade. A rede propagandística que montaram procurou denegrir os professores por forma antes inimaginável. Cortar, vergar, fechar foram desígnios que os obcecaram. Reduziram salários e escravizaram com trabalho inútil. Burocratizaram criminosamente. Secaram o interior, fechando escolas aos milhares. Manipularam estatísticas. Abandalharam o ensino com a ânsia de diminuir o insucesso. Chamaram profissional a uma espécie de ensino cuja missão é reter na escola, a qualquer preço, os jovens que a abandonavam precocemente. Contrataram crianças para promover produtos inúteis. Aliciaram pais com a mistificaação da escola a tempo inteiro (que sociedade é esta em que os pais não têm tempo para estar com os filhos? Em que crianças passam 39 horas por semana encerradas numa escola e se aponta como progresso reproduzir o esquema no secundário, mas elevando a fasquia para as 50 horas?). Foram desumanos com professores nas vascas da morte e usaram e deitaram fora milhares de professores doentes (depois de garantir no Parlamento que não o fariam). Promoveram a maior iniquidade de que guardo recordação com o deplorável concurso de titulares. Enganaram miseravelmente os jovens candidatos a professores e avacalharam as instituições de ensino superior com a prova de acesso à profissão. Perseguiram. Chamaram a polícia. Incitaram e premiaram a bufaria. Desrespeitaram impunemente a lei que eles próprios produziram. Driblaram leis fundamentais do país. Com grande despudor político, passaram sem mossa por sucessivas condenações em tribunais. Fizeram da imposição norma e desrespeitaram continuadamente a negociação sindical. Reduziram a metade os gastos com a Educação, por referência ao PIB. No que era essencial, no que aumentaria a qualidade do ensino, não tocaram, a não ser, uma vez mais, para cortar e diminuir a exigência e castrar o que faz pensar e questionar.
A questão que se põe é esta: por que razão esta gente, que tanto mal tem feito ao país e à Escola, que odeia os professores, que espezinhou qualquer discussão ou concertação séria, que permaneceu irredutível na sua arrogância do quero, posso e mando, de repente, decidiu ‘aproximar-se’ dos sindicatos? A resposta é evidente: porque os 100.000 professores na rua, a 8 de Março, provocaram danos. Porque a campanha eleitoral começou a reparar os estragos para garantir mais quatro anos.
O tempo e a oportunidade política da plataforma sindical aconselhava uma firmeza que claudicou. Porque quem estava em posição de impor contemporizou. Porque de um dia para o outro se esqueceram as exigências da véspera. Porque quem demandou a lei em tribunal pactuou com uma farsa legal. Porque quem acusou de chantagem acabou a negociar com o chantagista. Porque quem teve nos braços uma unidade de professores nunca vista pensou pouco sobre os riscos de a pôr em causa.
É verdade que os sindicatos ganharam uns trocos. Mas o lance não era para trocos. Era para devolução integral: da dignidade perdida. Aqui chegados, permitam-me a achega: pior que isto é não serem capazes de superar isto. E lembrem-se de Pirro, quando agradeceu a felicitação pela vitória: ‘Mais uma vitória como esta e estou perdido’.”

quinta-feira, abril 10, 2008

o admirável mundo do Novo Capitalismo

O consumismo tornou-se, nas sociedades ocidentalizadas das últimas décadas, no “ethos” dominante dos indivíduos, famílias e instituições públicas ou privadas. Combustível do Novo Capitalismo – cujo verso da moeda é a política neoliberalista –, expressão de uma ética hedonista, a prática do consumo é hoje vívido, por grande parte das pessoas, como o único imperativo capaz de conferir sentido à existência humana. De facto, a lógica subjacente ao Novo Capitalismo, alicerçada num neoliberalismo de feição marcadamente economicista, conduz a uma ética hedonista e, por consequência, a uma “práxis” consumista. É essa lógica que impõe, como dogma inquestionado, o princípio de uma nova ontologia e de uma nova antropologia – “Consumo, logo existo”. Neste sentido, transformado em preconceito dominante e consensual, o consumismo alimenta as necessidades do capitalismo actual, o qual, à semelhança de Saturno que devora uma um os seus próprios filhos, reduz o significado da existência, subjectiva e objectiva, à dinâmica imanente de um desejo que canibaliza recursos e pessoas, inexoravelmente.
Em livro publicado recentemente – “A Cultura do Novo Capitalismo”, Relógio d’Água, 2007 – Richard Sennett esclarece as diferenças entre o capitalismo clássico ou industrial e o capitalismo global, expondo os seus reflexos na banalidade dos actos do quotidiano, nomeadamente no que respeita à mudança da ética do trabalho que se tem operado nas últimas duas décadas. Do seu ponto de vista, os valores do mérito e do talento, medidos como potenciais imediatos, vão relegando para o baú da história a imagem do homem que, mediante a “práxis” transformadora do seu trabalho, se constitui como artesão da sua realização pessoal. O cenário de todas estas transformações configuram todo um mundo de relações laborais de precariedade, o de hoje e do futuro próximo, mundo esse pautado pelas ideias de flexibilidade e de polivalência, competências a partir das quais se avalia o mérito e o talento do profissional. Por defeito, os trabalhadores são mobilizados para o contingente dos descartáveis, pairando sobre eles “o espectro da inutilidade”. Esta despromoção ontológica e antropológica faz-se acompanhar pelo estigma da necessitade (os desvalidos ou necessitados da sociedade) a que a falência ou o emagrecimento contínuo do Estado-providência já não pode valer nem acudir.
É, porém, no capítulo intitulado “Política e Consumo” que Richard Sennett melhor clarifica não apenas “a paixão autoconsumidora” que subjaz à lógica do Novo Capitalismo, como sobretudo expõe a identidade, por via do marketing, ente o poder industrial e o poder político.
Todos nós, em maior ou menor grau, nos fomos transformando, insensível e progressivamente, em cidadãos consumistas. As experiências associadas ao consumismo constituem hoje o “ethos” próprio da nossa identidade pessoal. Não tratando de experiências originárias, mas induzidas pela comercialização e pelo marketing de larga escala, elas conduzem-nos pelas novas catedrais dão pelo nome de “centros comerciais” ou “grandes superfícies”. É nestes espaços de culto moderno que, mediante rituais de consumo, fortalecemos as nossas crenças em nós próprios e no mundo configurado pela “cultura do novo capitalismo”. Este serve-nos de espelho e reflecte a imagem que desejamos ver. No entanto, esse espelho é uma gigantesca máquina de fabricar imagens ou representações de objectos e de pessoas. O conbustível que faz trabalhar a fábrica é o desejo. É sobre este que se trata de operar as verdadeiras transformações. Mas deixemos falar Richard Sennett. “O consumo de bens desempenha um papel decisivo na complementeção e na legitimação dessas experiências. Quando as pessoas se dedicam a comprar coisas, parece ‘desejável’ comercializar a paixão autoconsumidora. Esse ‘marketing’ procede de duas maneiras: uma directa, outra subtil. A primeira passa pelas marcas, a segunda pela atribuição de poder e potencialidade de objectos a comprar.”
A manipulação do desejo, operada pela dinâmica do Novo Capitalismo – recorrendo ao marketing e às técnicas de publicidade – não se faz aleatória nem espontaneamente. Não é um produto do acaso nem das forças obscuras e cegas da história. É obra de uma racionalização programada nos laboratórios das ciências sociais, sob a batuta da alta finança empresarial. Criar uma sociedade autoconsumidora pressupõe trabalhar em dois registos simultâneos. Moldar, por um lado, o carácter dos seres humanos, e, por outro lado, redimensionar os objectos/produtos, operando aqui uma cosmética redutora mas irresistível. Os consumíveis devem ser apresentados sob o signo da marca, a qual lhes garante uma visibilidade apetecível enquanto objectos singulares, únicos, ocultando a sua dimensão de utilidade. O ser humano, transformado em consumidor, deixa de se preocupar com o conhecimento da produção do objecto, do qual é ignorante, e passa a guiar-se apenas pelas associações que lhe são sugeridas pela publicidade. Trata-se de operacionalizar “ formas de comercialização (que) procuram evitar que o consumidor pense como um artesão sobre a utilidade de um produto. (...) Para o consumidor, a marca tem de impressioná-lo mais do que o próprio objecto. (...) Reduzindo a atenção ao que é o objecto, o fabricante espera vender as suas associações.”
A referida transformação dupla, por artes de ilusionista encartado, faz do consumidor um viajante e um actor em imaginação. O mundo potenciado pelo desejo consumista é o da vertigem virtual que não tem freio nem se sacia. Os objectos são desejados não pelo seu valor utilitário mas pelo seu valor de potência.
“A empresa Volkswagen tem de convencer os consumidores de que as diferenças entre um modesto Skoda e um Audi topo de gama – que pppartilham cerca de 90% do seu ADN industrial – justificam a venda do último a um preço duas vezes superior, com acréscimos, ao do primeiro. Como é que uma diferença de conteúdo de 10% pode inchar até chegar a uma diferença de preço de 100%? (...) O iPod, com capacidade para armazenar e reproduzir dez mil canções de três minutos. Mas como escolher entre dez mil canções e encontrar tempo para as descargar? Quais os princípios para seleccionar as quinhentas horas de música contidas na pequena caixa branca? Como se lembrar das dez mil canções de modo a escolher aquela que se deseja ouvir num determinado momento?”
As perguntas são pertinentes e dão que pensar. Mas estão fora do alcance das reais capacidades do seres humanos transformado em meros “consumidores de potência”. “Em suma, a paixão autoconsumidora reveste duas formas: a implicação activa na imaginação e a estimulação mediante a potência. O consumidor que entra no jogo de imaginação do ‘marketing’ arrisca-se a perder o sentido das proporções e a tomar o ‘douramento’, e não a plataforma, como valor real do objecto.”

sábado, abril 05, 2008

O embuste do IVA minguante

A anunciada descida do IVA de 21 para 20 por cento, pelo primeiro-ministro, a entrar em vigor no Verão próximo, mereceu, da parte de diversas personalidades públicas do país, opiniões díspares e contraditórias. Salvo raríssimas excepções, os comentários, meramente reactivos e intelectualmente pobres, pouco ou nada contribuem para o esclarecimento do que verdaeiramente está em causa. Uns aplaudem – os que mais próximos se encontram do PS -, enquanto outros, os oposicionistas de serviço, apupam. O costume. O presidente da república, como é seu timbre, recusa-se a comentar (até parece que Cavaco e Silva, ao ser eleito chefe de estado, fez voto de silêncio). Os “media” em geral, para não destoar, limitam-se a ser o eco amplificador da cacafonia mental e acéfala que cada vez mais nos ensurdece e estupidifica. Bendita a santa ignorância! Por este andar, acabaremos todos beatificados, mercê da fé salvífica conferida pelo credo socrático (credo, quiam absurdum).
No meio disto tudo salvam-se as declarações do empresário Belmiro de Azevedo, a única oposição séria e credível a este governo acostumado a fazer passar gato por lebre: "Um por cento (de baixa do IVA) é um acto de publicidade; não tem qualquer impacto" (...) "Os impostos mudam-se de uma maneira programada e não de um momento para o outro". E mais acrescentou, recordando ser o IVA um imposto penalizador do consumo e injusto por cegueira (na medida em que penaliza igualmente pobres e ricos). Que raio de igualdade é esta? Para bom entendedor, meia palavra basta.
Quanto à entrada em vigor da medida (visivelmente eleitoralista) para o Verão, apenas se entende como uma pequena contribuição para os portugueses comprarem uma embalagem mais de protector solar (nem para isso dará).Cá por mim, só por teimosia, resolvi começar a fazer as contas, de lápis e de papel, para mais tarde comparar. Isto se ainda puder pagar as contas no supermercado, pois com a carestia de vida crescente e a inflação galopante, o mais certo é deixar-me desses luxos e privilégios, tão característicos de uma ex-classe média moribunda. No Verão logo se verá.