quinta-feira, março 27, 2008

neste mundo global

Apetece-me exclamar: como o mundo mudou! Esta coisa da internet alterou radicalmente, na última década, o “modus vivendi” do cidadão comum. Para o bem e para o mal. A evidência disto é tão óbvia que quase não nos apercebemos do seu radicalismo. É nos pequenos pormenores do nosso quotidiano que melhor podemos constatar a dimensão da mudança. Para isso, basta um olhar comparativo, pondo em confronto situações similares separadas por um hiato temporal de dez anos.
No Verão de 1998 fui passar um período de cinco dias às Astúrias. Durante meses – dava eu os primeiros passos como utente da internet – naveguei interminavelmente pelos “sites” disponíveis (poucos), procurando informação turística e sobretudo deliciando-me com a aventura da descoberta. Esta ferramenta que hoje utilizo diariamente contituía, para mim, um oceano de promessas, mas também um mar de desconfianças. Apesar de ter encontrado “on-line” os hotéis onde nos alojaríamos, meses depois, os contactos e as marcações fi-las por telefone, não fosse o diabo tecê-las. Nos cinco dias que passei nas Astúrias, há dez anos, não tomei conhecimento de nenhum dos acontecimentos que marcaram então a vida em comum dos portugueses. Fiz apenas dois telefonemas, de cabines públicas, para familiares. Somente quando regressei, me fui inteirando das novidades que a televião e os jornais divulgavam em prol do serviço público.Na semana passada fui passar cinco dias à Andaluzia. Ao longo de semanas, recolhi, via on-line, informação abundante sobre as localidades que pretendia visitar, bem como sobre os hotéis que me poderiam interessar. Armazenei toda a informação em pastas e sub-pastas – resenhas históricas, calendários de festividades, guias turísticos, recomendações gastronómicas, etc, etc... Marquei os hotéis, paguei com cartão visa, tentei marcar e comprar os bilhetes para visitar o Allambra (não o consegui porque já estavam esgotados), tracei os itinerários, calculei as distâncias e o consumo de combustível, imprimi mapas das cidades, e o diabo a sete, tudo isso à distância de um clic, como diz o anúncio publicitário. Durante a estadia, comprei jornais espanhóis (não comprei portugueses porque não os encontrei) e consultei regularmente a net (onde consultei jornais portugueses). Ao segundo dia, em Estepona, depois de tomar o pequeno almoço no hotel, fui consultar o meu mail e deparei com uma mensagem que me enviava para um endereço do You Tube, onde supostamente podia visualizar uma video, gravado por um aluno. Neste mundo global, tive a oportunidade de ver, tendo como horizonte o Mediterrâneo, o retrato de indisciplina numa sala de aula que, dias antes, ocorrera numa escola do Porto. Nos dias seguintes, acompanhei o caso, até quase à náusea, pela net e pela RTP internacional. Mas isso é outra estória. Ou talvez não...

terça-feira, março 18, 2008

Ou muito me engano, ou a crise financeira que vivemos nos dias de hoje é um sintoma de que algo vai mal neste mundo globalizado. A doença alastra. As metástases disseminam-se e vão tomando conta, paulatinamente, dos tecidos sociais do organismo mundial. O cancro tem dá pelo nome de neoliberalismo, essa ideologia que se pregoa ao quatro ventos como a última encarnação da verdade, o “fim da história”, a terra prometida dos eleitos que sucederia ao “último homem”, o arauto do niilismo. Lembram-se da canção do Zeca Afonso que nos falava dos “Vampiros”? Não será esta a “peste” actual da nova Idade média? A Idade média dos tempos sombrios, mascarados de lantejoulas e de hedonismo, em que a salvação toma o rosto de uma promessa: a dos cinco minutos de fama nessa janela dos idiotas que é a televisão. O remédio é amargo, pois provoca a dor das desilusões desfeitas. Bebamo-lo todo inteiro de um trago, e brindemos a um futuro por inventar. Urge reinventar novos mitos, mitos humanistas que nos devolvam o ser humano pleno, aquele que encara o seu semelhante não como uma mercadoria, que o convida para a partilha do pão (um companheiro) e para a festa da repartição justa do bem público. Finda a nova Idade média, do que precisamos é de um Renascimento renovado.

quinta-feira, março 13, 2008

o neoliberalismo é uma "doxa" a combater

A propósito do problema do livre-arbítrio, os defensores da tese determinista costumam apresentar um argumento que, por ser logicamente válido, consideram a prova irrefutável da inexistência de quaisquer acções livres. O argumento tem um nome – chama-se argumento da inevitabilidade – e traduz-se mais ou menos no seguinte: se alguém age livremente, poderia ter agido de outro modo. Ora, ninguém poderia ter agido de modo diferente daquele que de facto age. Logo, ninguém é livre. Apesar de formalmente inatacável, este argumento não prova que a conclusão seja verdadeira. Prova apenas que, se aceitamos a verdade das premissas, então não podemos deixar de aceitar, inevitavelmente, que somos em absoluto determinados por factores sobre os quais não temos domínio. Basta, no entanto, não aceitarmos uma das premissas, designadamente a segunda, para nos encararmos como algo mais do que simples marionetas ou um mero joguete de forças cegas e impiedosas.
O neoliberalismo é-nos apresentado hoje como uma inevitabilidade. Pierre Bourdieu, numa palestra proferida em Atenas – O mito da “mundialização” e o estado social europeu –, em Outubro de 1996, afirma: “ É assim que, afinal de contas, o neoliberalismo se apresenta com todas as aparências de inevitabilidade. Há todo um conjunto de pressupostos que são impostos como se fossem óbvios: admite-se que o crescimento máximo, e portanto a produtividade e a competitividade, são o fim último e único das acções humanas; ou que não é possível resistir às forças económicas. Ou ainda, pressuposto que funda todos os pressupostos da economia, procede-se a um corte radical entre o económico e o social, este posto de parte e abandonado aos sociólogos, como uma espécie de subproduto. (...) Contra esta ‘doxa’, segundo penso, precisamos de nos defender submetendo-a à análise e tentando compreender os mecanismos segundo os quais é produzida e imposta.”Os pressupostos em que assenta o neoliberalismo serão irrefutáveis? Ou trata-se apenas de um “mito justificador”, de uma “ideia-força”, arquitectada em nome da globalização pelos responsáveis da alta política financeira, interessada em fazer regressar os eixos do mundo ao estádio do capitalismo selvagem? O que Bourdieu defende interessa a todos quantos não se conformam com a ideia de que a política é escrava da economia, deixando de ser a arte de construir o bem comum, para se entregar aos caprichos desumanos dos novos senhores da Terra. Mas interessa sobremaneira aos que não aceitam o argumento da inevitabilidade e sentem, até à medula, que o futuro está prenhe de possibilidades outras e mais justas. Mas então o que fazer? Antes do mais, desmontar esta pseudo-verdade, pondo a nú os seus mecanismos mistificadores. Depois, encarando-a como de facto ela é – nada mais do que uma “doxa”, uma opinião fundada em aparências. Por último, lutar, pois “não temos nós de lutar pela construção de um Estado supranacional, relativamente autónomo frente às forças económicas internacionais e às forças políticas nacionais e capaz de desenvolver a dimensão social das instituições europeias?”

segunda-feira, março 10, 2008

educação e os fins

Nas últimas duas semanas não se fala de outra coisa. Os protestos diários dos professores, que culminaram na imensa marcha da indignação (fala-se em cem mil) abriam espaços informativos nas televisões, deram azo à multiplicação de debates, ocuparam páginas e páginas de jornais e revistas, invadiram o universo da blogosfera, enfim, mobilizaram a opinião pública, incendiando os ânimos de todos quantos encaram a vida política e social como se de uma batalha campal se tratasse. Os media portugueses, sobretudo os televisivos, transformaram o assunto (demasiado sério) num folhetim de novela, em mais um enredo de herói e vilão, do género: “Professores ou Ministra, de que lado está a razão?” Deste modo, prestaram um mau serviço público.
É evidente que o problema da educação, mesmo em circunstâncias de um diferendo que opõe a razão corporativista dos profissionais do ensino à razão reformista do governo, não pode ser visto pelo prisma maniqueísta de vencedores e vencidos. Nenhuma das razões tem valor de verdade incondicional A questão é acima de tudo política, e é como tal que deve ser perspectivada. Ora, sendo a política a arte do possível bem comum a construir, o que, em democracia, pressupõe combate ideológico, não pode nenhum dos contendentes furtar-se ao diálogo e ao confronto de argumentos, sob pena de se cavar um fosso de tal modo intranponível que inviabilizaria de todo qualquer possibilidade de consenso. Isso seria uma machadada demasiado forte na democracia, o que nenhum governo eleito democraticamente poderia desejar.
As razões do governo, ainda que suportadas pelo peso da legitimidade representativa de uma maioria absoluta, do imperativo das reformas necessárias e inadiáveis da máquina do Estado, não podem ser apresentadas como dogmas e imposições definitivas. Elas pecam fundamentalmente por excesso de autoritarismo e por não se abrirem à ponderação de alternativas. Uma democracia sem ponderação de alternativas morre de asfixia. Cem mil professores a protestar nas ruas, a reclamar ser tido e achado em matérias que lhes dizem respeito, não podem ser votados ao desprezo ou sequer ao menosprezo. Não pode o governo pretender tratá-los como meros executantes passivos de uma reforma com a qual não concordam, e não deve voltar à estratégia da retórica do espezinhamento moral. Essa arma ignóbil deu agora os seus frutos: virou o feitiço contra o feiticeito e resultou numa união da classe como nunca antes se tinha visto.
Um dos erros do governo e dos responsáveis do Ministério da Educação foi não terem aproveitado as necessidades da reforma para chamarem a si os melhores professores, e para os envolverem no processo reformativo. Aproveitar a sua massa crítica teria certamente contribuído para a capitalização de uma mais-valia indispensável para o futuro a médio e a longo prazo do país.
Mas o erro maior do governo é não ter uma política educativa consistente. A sua cegueira econominista traduziu-se numa tentativa de reformar precipitadamente e por decreto. Isso não lhes permitiu parar para pensar um pouco, para reflectir sobre que portugueses se quer educar. Queremos formar tecnocratas oportunistas ou seres humanos dotados de espírito crítico e senso ético?
O melhor é dar a palavra aos sábios:
"Não basta ensinar ao homem uma especialidade. Porque ele se tornará assim uma máquina utilizável, mas não uma personalidade. Os excessos do sistema de competição e especialização prematura, sob o falacioso pretexto de eficácia, assassinam o espírito, impossibilitam qualquer vida cultural e chegam a suprimir os progressos nas ciências do futuro. É preciso, enfim, tendo em vista a realização de uma educação perfeita, desenvolver o espírito crítico na inteligência do jovem." (...) "A compreensão de outrem somente progredirá com a partilha de alegrias e sofrimentos. A actividade moral implica a educação destas impulsões profundas”. (Albert Einstein)