sexta-feira, dezembro 28, 2007

2008 versus 2007

2008 vai ser um ano em tudo semelhante ao de 2007, excepto numa coisa: na poluição tabágica. A partir de 1 de Janeiro do ano que se aproxima a passos largos, com a entrada em vigor da lei anti-tabágica, os portugueses vão respirar melhor, vão poder usufruir de uma atmosfera mais limpa, menos opressiva. Tudo isto mercê de uma vontade política que muitos saúdam apesar de lamentarem a demora. Alguns, os fundamentalistas da sanidade pública, enaltecem a medida legislativa e encaram a “guetização” dos fumadores como o merecido castigo. Os rios vão continuar a ser objecto de descargas poluentes, clandestinas ou semi-clandestinas. Os automóveis vão poder circular livremente nas cidades e a lançar para a atmosfera toneladas de dióxido de carbono. O “fast food” vai continuar a engordar as nossas crianças e adolescentes. A Autoridade de Segurança Alimentar e Económica vai porfiar na sua caça ao croquete e à bolinha de berlim. A televisão vai persistir na intoxicação diária de milhões de telespectadores. O Natal vai permanecer a festa consumista e contribuir para o endividamento das famílias. O governo vai redefinir estratégias de combate ao défice e de perseguição dos fugitivos ao fisco, ao mesmo tempo que inaugura o ano zero da retoma económica e da prosperidade dos portugueses. A liberdade vai continuar a passar por aí, cada vez mais disfarçada com a cosmética das restrições necessárias para o bem da comunidade.

segunda-feira, dezembro 17, 2007

A realidade quotidiana das escolas portuguesas é o exemplo típico de um tema que anda nas bocas do mundo. Toda a gente presta depoimento, manifesta pronta opinião. Maioritariamente negativa. Algumas vezes, com acerto. Outras, nem por isso. Os alunos não aprendem, os professores não ensinam, os pais não cumprem com as suas responsabilidades. A tutela, por seu lado, decidiu travar o seu quixotesco combate. Armou-se do elmo, da armadura, da lança e da espada, montou o seu rocinante de crina eriçada e – sem ouvir as prudentes palavras do seu gordo escudeiro – partiu ao encontro do infame. Este tem um nome e um rosto: chama-se professor e anda pelas ruas da amargura. No decurso de dois anos viu-se transformado num bandalho. Dasautorizado, vilipendiado, sucessivamente objecto de múltiplas agressões (as mais graves sob a forma de decretos-lei e portarias que ao diabo não lembraria) vai rodopiando ao sabor das rajadas que de todo o lado sopram a sua fúria. A par do funcionário público, que ele também é, transformou-se num ápice, nos dias de hoje, o judas que nenhum cristão ama, o judeu que nenhum nazi preza, o bode expiatório da nossa menoridade cívica e política. De longe, o prudente escudeiro observa o seu amo e exclama: “Triste figura, eram só moinhos de vento!”

segunda-feira, dezembro 10, 2007

por trilhos de Monsanto

Nos últimos meses, o parque de Monsanto tem sido para mim uma caixinha surpresas. Comecei a frequentá-lo semanalmente, por necessidade. Não minha, mas do meu cão. O seu ethos obriga a passeios longos e musculados. Pelo menos quatro a cinco quilómetros (contabilizados no meu pedómetro) e uma hora de marcha. O cão, esse, percorre o triplo. Corre, salta, embrenha-se pelos arbustos dentro, desaparece e volta a aparecer, com a felicidade canina estampada no focinho de cachorro travesso. De uma vitalidade inesgotável, não pára quieto um segundo. São incontáveis as vezes que alça a pata e marca território em cima de pedras ou no tronco das árvores. Persegue à tonta o trinado e a sombra inquieta dos pássaros. E eu aproveito para oxigenar os pulmões e desentorpecer as pernas.
A minha descoberta do Monsanto tem sido paulatina e decorre ao sabor do acaso humano e da referida necessidade canina. Vou ensaiando percursos, experimentando trilhos novos, umas vezes próximo da mata de São Domingos, outras junto a Montes Claros, outras ainda perto do Alvito. A surpresa assoma a cada vislumbre de uma clareira, de um bosque frondoso e atapetado de folhas mortas. O inesperado espera-me a cada bifurcação de caminhos.
O meu último passeio, no Domingo passado, conduziu-me por carreiros esconsos e enviesados, por subidas suadas e descidas íngremes e vertiginosas. No coração da mata deparei amiúde com troncos caídos, lenha e mais lenha num torvelinho a que nenhuma mão humana acode e cuida. Perguntei a mim mesmo ou ao meu cão, já não recordo com nitidez. Por que ninguém limpa o pulmão de Lisboa? Não seria rentável pegar numa equipa de meia dúzia de homens e entregar-lhes a urgente tarefa de cuidar do parque de Monsanto? Não era possível vender as toneladas e toneladas de madeira para consumo das lareiras que a classe média paga a preços exorbitantes nos supermercados de Lisboa e nas lojas especializadas da periferia? O meu cão, é claro, não me respondeu. Continuou a farejar pedras e tufos de erva. E a alçar a pata para marcar um território que ele julga ser apenas nosso, dele o do seu dono.

sábado, dezembro 01, 2007

Mais uma vez, ontem, o país viveu o cenário de uma greve geral da administração Pública. O cenário do Portugal dos pequeninos na sua versão corrente. Repetiu-se a guerra dos números. Do lado do Governo, contas feitas e refeitas, a fasquia chegou perto dos 22%. Do lado dos Sindicatos, contas arredondadas, a fasquia quase atingiu os 80%. Curiosamente, esta disparidade de contas é mais ou menos idêntica às que no passado recente foram apresentadas. De cada um dos lados da barricada cantou-se vitória. A opinião pública dividiu-se no juízo que fez da pertinência da greve. Nenhum argumento aduzido constitui novidade. Uns aproveitam para despejar a bílis em cima do funcionário público: o bode expiatório de todos os achaques económicos que não param de nos acometer, a causa do opróbrio e da pobreza que nos envergonha e que empurra uma fatia cada vez maior da população para a miséria ou para a indigência não assumida. Outros responsabilizam o Governo pelas maldades a aquele que tem sido sujeito e mostram a sua indignação pelo desprezo com que tem sido (mau)olhado.
E não saímos disto. Nenhuma das partes em conflito parece mostrar coragem suficiente para ousar causar danos reais no inimigo. Nesta guerra, como em todas, só a coragem permite vencer. Bastaria ao Governo exibi-la mediante a apresentação de medidas mais drásticas, que contribuíssem com a redução efectiva do contingente da Administração Pública. Não o fazem porque as eleições estão à porta. Aos funcionários públicos, bastaria mandar às malvas o ordenado parco mas certo, o futuro cinzento mas assegurado, e fazer uma greve indeterminada ou até ameaçarem demitir-se em bloco. Não ousam fazê-lo em nome de uma tibieza de vontade ou de uma capacidade de acomodação que só o niilismo dos tempos actuais justifica. E assim continua esta luta de forças (melhor diria, de fraquezas) que nem alento e imaginação têm para o óbvio: inventar o futuro. É que não há verdade mais evidente - o futuro só existe na condição de ser inventado e enfrentado com coragem. E adiá-lo é perdê-lo. Como diz o ditado: "ontem já era tarde".