quarta-feira, novembro 29, 2006

O problema da sustentabilidade do país, a médio e a longo prazo, parece-me um daqueles monstros de muitas cabeças, o Leviatão, mencionado na Bíblia e apresentado pelo filósofo Hobbes como símbolo do poder absoluto do Estado. Ele é o problema da sustentabilidade da segurança social, da função pública, das políticas sociais, da dependência energética, disto e daquilo, numa soma incontável de cabeças que não se vislumbra como um governo, por mais corajoso e abnegado que seja, consiga sequer contar quanto mais resolver. É uma luta de monstros ou de titãs, em que um deles - o monstro governativo -parece derrotado à partida. Mas é preciso ter esperança e confiar nos nossos talentos governativos, tanto mais que estes já deram provas, pelo menos a avaliar pelos discursos, de que porventura estarão talhados para travar tão hercúleo combate. O tão apregoado choque tecnológico é apenas um sinal de que muitos outros se seguirão, e o monstro adversário que se cuide, pois irão rolar muitas cabeças. O nó górdio do problema só precisa de ser certeiro. Cortar a cabeça certa é como o código postal...é meio caminho andado. Em consequência, as outras apresentarão docilmente a cerviz ao gume do machado governativo. A questão mais difícil é saber escolher o problema a atacar no imediato, em nome da sustentabilidade. Por aí o governo anda mal, ao não perceber que só com verdadeiras políticas de incentivo à natalidade, aliadas a efectivas políticas educativas, é possível resolver os problemas de sustentabilidade e do futuro de Portugal. Para ambas parece não haver dinheiro suficiente e a coisa transforma-se numa pescadinha de rabo na boca. No entanto, em relação ao problema do défice de natalidade, que compromete qualquer sustentabilidade económica no médio e no longo prazo, aqui vai uma sugestão, retirada de uma página de um livro - Educação e Sociedade - do magistral Bertrand Russell, acompanhada da ironia tipicamente britânica que caracteriza a sua escrita: "É muito provável que, em tais circunstâncias, as mulheres pouco desejo mostrassem de ter filhos, e ter filhos teria de se tornar uma profissão paga, adoptada talvez como um ramo do funcionalismo público." Para o caso, pouco interessam as referidas circunstâncias e muito menos o facto de, no contexto português actual, não se tratar de "pouco desejo" das mulheres. E não me venham com o argumento de que tal medida implicaria a "engorda" do funcionalismo público, em vez do seu almejado emagrecimento. Seria, aliás uma medida que iria ao encontro da política do governo relativamente ao (dis)funcionalismo público e à ratio ainda desconhecida dos supra-numerários. O único senão é talvez a idade das supra-numerárias. Mas, como todos sabemos, as boas escolhas dependem dos critérios acertados. Era só escolher as mais jovens e as melhor parideiras...e talvez remunerá-las de forma condigna e a condizer com os ganhos futuros, em termos de sustentabilidade económica.

terça-feira, novembro 21, 2006

a educação é uma coisa muito bonita

A educação é uma coisa muito bonita, dizia-me o meu pai sempre que eu teimava em fazer alguma coisa que merecia reparo ou repreensão. O respeito é muito bonito, observava a minha mãe quando as minhas atitudes passavam os limites daquilo que o senso comum tolerava. A minha mãe era analfabeta, o meu pai pouco mais tem do que isso. E assim me foram educando, recorrendo a um par de regras, simples de apreender e fáceis de interiorizar. A moral deles, normativa e categórica, por rudimentar que fosse, bastou para educar meia dúzia de filhos. Não lhes deu a ilustração que porventura desejavam. Mas isso estava para além das suas possibilidades e da sua compreensão. Mas transmitiram-nos o essencial - o valor da educação por si mesma e o valor do respeito que os outros (sobretudo os mais experientes e vividos) nos devem merecer.
Outros tempos...não muito distantes, mas que por vezes me parecem pertencer a um outro mundo.
Não sei como é que os pais hoje educam os filhos. Não sei, mas imagino. Permissivos no normativo, débeis no categórico, usam e abusam do compromisso inconsequente de quem não tem tempo nem vagar para estar vigilante e atento ao carácter que se vai (de)formando. E pior que tudo, cegos da pior das cegueiras - precisamente aquela que não quer ver. E quando são obrigados a ver (claramente visto), muitas vezes já é tarde de mais. Niilistas até ao tutano, nem o credo os salva.

sábado, novembro 18, 2006

um, dois, esquerda, direita...

Nos tempos que correm, com a Globalização e o neoliberalismo a ditarem as regras de um jogo jogado à escala planetária - e cujas consequências se fazem sentir até ao mais pequeno dos pormenores do quotidiano - ao cidadão comum, minimamente interessado e informado no que às questões políticas diz respeito, compete a formulação de um sem número de questões básicas, fazendo por seu intermédio a responsável prova de vida de cidadania.
A propósito da discussão corrente em torno do problema será o Partido Socialista actual um partido de esquerda? muitas são as opiniões, inúmeras as sentenças, persuasivas umas mais do que outras, mas poucos são os argumentos inequivocamente convincentes. Talvez porque não se vislumbre ainda uma resposta clara as outras questões prévias: que significa hoje ser de esquerda? o que distingue, no essencial, uma política de esquerda de uma política de direita? faz sentido, na actualidade, a tradicional distinção esquerda-diteita?
Alguns dos fazedores-de-opinião esgrimem, em relação ao tema, convicções ideológicas como se de argumentos se tratasse. Há quem conclua, num plano mais pragmático, que as políticas de esquerda, ao contrário das de direita, se evidenciam pela maior preocupação demonstrada com a sustentabilidade do sistema social. Existem aqueles que, alcandorados num patamar mais ontológico, defendem que as pessoas de esquerda encaram o ser humano de um ponto de vista mais optimista do que as pessoas de direita, tendo estas uma perspectiva mais trágico-pessimista em termos antropológicos. Que valor têm semelhantes teorias? O valor que os argumentos que as sustentam lhes conferem, o que, a meu ver, é nulo ou fraco. Não será possível apresentar, respigados da nossa experiência política quotidiana, contra-exemplos que refutem tais ideias? Parece-me bem que sim.
Incomodados porventura com as recentes acusações de governar à direita, surgiu do último Congresso o slogan "Esquerda Moderna", com o qual a família socialista se pretende rotular, justificando assim, a posteriori, a sua política governativa. Mas, o que significa a expressão "Esquerda Moderna"? Não será ela um sinal de que a antítese esquerda-moderna, num mundo globalizado nos eixos de uma ideologia neoliberal, perdeu o tino e a sua razão de ser?

domingo, novembro 12, 2006

os nossos filhos

No coração de Monsanto existe um parque, o da Serafina, que já não visitava há anos. Voltei a visitá-lo hoje, imagine-se, não para levar a petizada a espraiar os seus humores e correrias, mas para passear o meu pai, um idoso de 75 anos que vive cada vez mais mergulhado numa demência mista (parkinson, alzheimer, e outros demónios mentais). No curto período de meia hora assisti a duas cenas que nos remetem inapelavelmente para uma realidade impensada há duas décadas. Deveras preocupante, digo eu.
Primeira cena. Um casal, acompanhado por uma criança de quatro ou cinco anos, desloca-se para a entrada do restaurante do dito parque. A menina faz birra, não quer entrar. A mãe diz, polidamente: "Filha, eu e o pai touxemos-te ao parque. Agora, se fazes favor, acompanhas-nos lá dentro. Não demora nada, é só tempo de bebermos o café, e depois voltas para a brincadeira." A birra persiste. O impasse prolonga-se. A mãe entra no café e o pai, entre o contrafeito e o aliviado, pega na filha ao colo e faz-lhe a vontade.
Segunda cena. À entrada do parque uma outra criança resiste teimosamente aos apelos da mãe. "Anda lá, filha, olha que não temos o tempo todo". A miúda continua de olhos vidrados nos balões multicores e num sem número de outros objectos que são a perdição dos mais pequenos. A mãe volta a chamar e a petiz não ouve. A mãe lamenta-se, dirigindo-se ao seu companheiro: "Eles é que são culpados. Devia haver uma lei que proíbisse vender estas coisas à entrada dos parques infantis".
Vai para nove ou dez anos vi pela primeira vez um filme que, de cada vez que o revejo, dá que pensar. Três histórias. Numa delas, os adultos são vítimas da tirania malévola das crianças. O poder destas é absurdo, hilariante e inquietante. O poder de um pequeno déspota cujos caprichos se tornam leis de uma crueldade inusitada.
A semana passada li um artigo na revista Visão que me deixou atordoado, não porque não suspeitasse já da realidade retratada, mas sobretudo por dimensão dessa mesma realidade. O artigo intitula-se Reféns dos miúdos e põe a nú um drama actual vivido por muitas famílias portuguesas. O fenómeno é designado como "síndroma do imperador" e traduz um sem número de casos em que os pais são vítimas do abuso do poder e dos maltratos protagonizados pelos seus rebentos mais jovens. No artigo vem escrito: " Os filhos maltratantes são 'crianças sem consciência dos limites, que mandam na vida familiar, dão ordem aos pais e recorrem à chantagem emocional (...). Afinal, o que está a acontecer? Para a amioria dos especialistas portugueses, muitos pais criaram na prole a ideia de que têm direito a tudo e, à medida que crescem, os filhos vão forçando os limites impostos pelos prognitores, para poderem encontrar os seus, atingindo-se, por vezes, proporções dramáticas."
Afinal, o que está acontecer, pergunto. À entrada do parque, o meu pai olha indiferente em seu redor, ancorado num olhar vazio e perdido no indefinido da paisagem e da memória. Se ele me pedisse, talvez lhe comprasse um balão, a ele que carrega nos ombros o peso de muitas responsabilidades, de muitas culpas também, vítima de um destino que lhe desatinou o baú das lembranças e o reduz à condição de mero fantasma de indecisões, medos e angústias irreparáveis. Agora que ele é o filho que nunca tive, gostava de saber: vítimas ou culpados?

sábado, novembro 11, 2006

Este país está cada vez mais cinzento. Já não bastavam as coreografias do nosso quotidiano, de um descolorido franciscano a desbotar a cada hora que passa. Já não bastavam as representações de cidadania terceiro-mundista e a mise em scéne de uma ética de trazer por casa com que brindamos os que connosco se relacionam. Já não bastavam as exibições de mediocridade cultural que nos levam a tomar os Filipes La Ferias da nossa praça como ícones do bom gosto. Já não bastavam um sem número de acontecimentos e registos que nos entristecem e nos envergonham (desde os magríssimos índices de educação aos de depauperada produtividade). Temos agora uma encenação política que nos pretende fazer acreditar que não temos outra alternativa que não seja a de viver na expectativa de uma pobreza anunciada. De tão cinzento que este país nos parece, qualquer dia até a televisão passa a ser transmitida a preto e branco.

domingo, novembro 05, 2006

O engenheiro José Sócrates parece apostado em governar o país de um modo autocrático, insensível às opiniões mais avisadas que, nos últimos tempos, têm reclamado contra medidas cuja justiça é no mínimo duvidosa. Será justo aumentar impostos e, por conseguinte, reduzir receitas, ao conjunto de reformados que ganha pouco mais de quatrocentos euros por mês? Será justo penalizar sistematicamente os funcionários públicos e diabolizá-los, como se a eles se pudesse assacar a responsabilidades da desgovernação do país nos últimos anos? Será justo permitir aos responsáveis do Ministério da Educação o cruel e inoportuno vilipêndio com que têm brindado os professores, como se fossem estes e não as desastrosas políticas educativas a causa do estado depauperado do saber manifestado pelas nossas crianças e jovens? Será justo permitir que a banca acumule lucros indecorosos, quando a maioria das famílias portuguesas vê aumentadas diariamente as percentagens do seu individamento à mesma banca? Será justo obrigar os cidadãos a cumprir com rigor a apresentação e o pagamento dos impostos e calar-se perante a evidência da falta de rigor das contas dos partidos políticos? Será coerente falar em nome da justiça quando dela se tem uma noção tão descabida e parcial?
Ainda não foi cumprida a primeira metade desta legislatura. É provável que na segunda metade o tom de governação mude, se aligeire a mão do carrasco, e esta se abra para pedir votos e confiança. Veremos então como o povo reage, que crédito irá dar ao homem que se mostrou como um verdugo sem complacência perante os fracos e desprotegidos do sistema. Aposto que o povo não é estúpido ao ponto de lamber a mão ao dono que injusta e impiedosamente o zurgiu. No futuro veremos.

pensamento do dia

Acordei hoje a pensar que talvez não seja possível continuar, por muito mais tempo, a viver num país de viabilidade duvidosa. E que tal se todos os portugueses emigrassem, nem que mais não fosse por um período de tempo determinado (vinte anos, por exemplo)? Será que quando finalmente regressassemos (os que assim o pretendessem, claro) não viríamos mais enriquecidos (de experiências) e prontos a começar a construir, finalmente, uma verdadeira terra de promessas não eternamente adiada?